No infame discurso em que reproduziu palavras do nazista Josef Goebbels, temido ministro da Propaganda do governo de Adolf Hitler, o recém-demitido Roberto Alvim fez uso da abertura da ópera Lohengrin, do compositor romântico alemão Richard Wagner (1813-1883). A música, ainda que belíssima, denunciava uma comparação incômoda com o nazismo. Lohengrin, juntamente com Rienzi estavam entre as peças favoritas de Hitler. O documentário Arquitetura da Destruição, sobre como o austríaco formatou a cultura e a propaganda em seu país, fala do impacto que causou a exibição de Rienzi no futuro ditador. E foi essa admiração que transformou Richard Wagner (1813-1883) num compositor “maldito”, associado ao que existe de pior no ser humano.
Wagner, que fique bem claro, não foi nazista. Mesmo porque morreu muito antes da ascensão de Adolf Hitler ao poder. Mas era, sim, um rematado antissemita: escreveu textos preconceituosos e se ressentia do sucesso de compositores judeus (Felix Mendelssohn, por exemplo). Nunca pregou que eles fossem presos, confinados em campos de concentração e exterminados em câmaras de gás – porém, os ironizou em algumas de suas obras. “A música de Wagner foi desvirtuada pelos nazistas”, disse o maestro Daniel Barenboim a VEJA em 2005. Barenboim, aliás, é judeu. Assim como Yoel Levi, filho de um rabino e que regeu a estreia de Parsifal, ópera derradeira do compositor romântico.
Wagner e o nazismo se conectam através da visão heroica que ele faz da Alemanha: personagens saídos da mitologia nórdica, uma música pomposa que evoca o nacionalismo. Características que podem ser encontradas na tetralogia O Anel do Nibelungo, obra máxima de seu repertório, ou Os Mestres Cantores de Nuremberg – cuja música, aliás, foi utilizada por Leni Riefenstahl. A crítica aos judeus existe, mas de forma discreta: vilões ou personagens caricatos são pintados com características dos judeus. O exemplo mais escandaloso é Beckemesser, vilão de Os Mestres Cantores, que traz todos os estereótipos comuns ao povo de Israel. E, no final da obra, acaba expulso e escorraçado da comunidade. O antissemitismo é condenável em todos os aspectos, mas Wagner não está sozinho na sua visão pouco simpática aos judeus. William Shakespeare (1564-1616) fez de Shylock, o vilão judeu de O Mercado de Veneza, uma figura abominável.
A música de Wagner serviu a um propósito maléfico. Ela era tocada quando os prisioneiros judeus estavam a caminho das câmaras de gás. Por isso, até hoje ela se tornou um tabu em Israel. Wagner é banido das salas de concerto e os maestros que tentam chamar a atenção para a beleza de sua música são repudiados. Zubin Mehta, que recentemente se aposentou da Filarmônica de Israel, regeu uma peça de Wagner nos anos 80. Foi vaiado pelo público. Pouco depois, seu carro foi parado por um policial que lhe mostrou a tatuagem de prisioneiro no campo de concentração e implorou para que nunca mais tocasse Wagner. “Ele só poderá ser tocado quando o último sobrevivente do nazismo se for”, disse ele a VEJA, em 2011. Em 2001, Barenboim tocou trechos de Tristão e Isolda em Israel. Pior: fez isso com uma orquestra alemã, a ótima Staatskapelle Berlim. Foi vaiado impiedosamente. “Se quiserem proibir Wagner em Israel, proíbam também a venda de Mercedes, que eram o carro predileto de Hitler”, justificou.