Por toda a infância, meu sonho foi me encaixar em algum padrão. Acho que todo mundo num momento da vida quer ser popular, participar da turma dos bonitos, dos casais aparentemente felizes. Nunca consegui. Sofria muito por ser diferente. Não gostava de futebol, de me vestir como os outros, dos assuntos pelos quais as pessoas se interessavam. Era um cara que os colegas chamavam de gay, de espalhafatoso. Nunca tive uma turma no colégio.
Por ironia, hoje não me encaixo nos quadrados onde querem me colocar. Você põe no Google o meu nome e aparece: “filho da Marília Gabriela” e “Reynaldo Gianecchini”. Dizem até hoje que o casamento deles era para acobertar uma relação minha com ele. Namorei mulheres e homens. Transei com mulher, com homem. Já me relacionei com homem feio, com bonito, com gente burra, inteligente. Mas jamais tive algo com o Giane. Mesmo muitos anos depois de eles terem se separado ainda há desavisados que vêm me perguntar — nos lugares mais inóspitos, da boate ao supermercado — se é verdade esse boato. Já bati muita boca, agora eu viro a cara e saio andando. Essa história ofende a mim, ao Giane e à minha mãe.
Estou fazendo na novela O Sétimo Guardião o maior papel que tive até hoje, um personagem importante numa obra do Aguinaldo Silva — a grande oportunidade na televisão. Tenho um reconhecimento que nunca tive. Mas o Adamastor é uma figura diferente dos homossexuais que estamos acostumados a ver na teledramaturgia. Ele é caricato, mas não a bichinha efeminada. Já temos clássicos reconhecidos, como o Félix, feito pelo Mateus Solano, e o Crô, do Marcelo Serrado. Por que não escolher outro caminho? Meus amigos dizem que, se quero ser popular, eu teria de falar as gírias LGBTQ+ do momento, criar um bordão. Há essa expectativa do público. Todo mundo deseja saber quando ele vai virar uma bichona louca. Não é necessariamente o caso. Por que a gente não pode mostrar na TV tipos de gay que não são retratados?
Também estou numa crise na internet. Tenho 40 anos, sou analógico. Com a novela, fui aconselhado a ser mais ativo nas redes sociais, para apresentar como sou além de um personagem e prospectar trabalhos e patrocínios. Aprendi que a palavra da moda não é mais “seguidor”, mas “engajamento” (designa o volume de curtidas, comentários e compartilhamentos de uma publicação). Qual conteúdo eu posso dar às pessoas que me seguem sem cair basicamente numa futilidade? Dia desses, fiz um teste. Coloquei uma foto minha fazendo ioga e alcancei o maior engajamento em anos. Nos comentários, tinha gente falando que eu estava belo, comentando o dia bonito, mas basicamente o que causou as interações foi o meu cofrinho, que ficou um pouco aparente.
No dia seguinte tentei fazer uma foto bonita e clara — como me ensinaram que devem ser as imagens do Instagram — com a atriz Camila Morgado, que está no filme Vergel. Fiquei preocupado em mostrar o pôster, citar informação do enredo. E esse post só alcançou um sexto de engajamento do outro. Fico pensando que as pessoas gostam de me seguir, mas não de ouvir o que eu tenho a dizer. Querem só ver cofrinho, sovaco, mamilo. Parece um horror, mas será que vou precisar encontrar uma forma de usar meu corpo para conseguir falar de assuntos que considere relevantes? É todo um ciclo — se não fizer isso, não vão repostar, comentar e não vou conseguir trabalho no futuro. Sempre se escuta que, nas redes sociais, buscam a verdade, a intimidade — porém não a pessoa como ela é, mas como se imagina que ela seja. Eu me sinto preso a um quadrado do Instagram. Talvez porque os assuntos de que eu goste não sejam para 30 milhões de seguidores, e sim para 58 000. Preciso aceitar.
Depoimento dado a Leandro Nomura
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629
Qual a sua opinião sobre o tema desta reportagem? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br