Para a atriz e modelo Lily Rose-Depp, os próximos meses deveriam reservar só flores. Aos 23 anos, ela ganhará em breve todos os holofotes como protagonista da série The Idol, novo arrasa-quarteirão da HBO, em que atua ao lado de bambas como o pop star canadense The Weeknd. Há, contudo, um espinho pontiagudo no caminho de Lily: ela é uma legítima “nepo baby”. Sucesso de buscas na internet nas últimas semanas, o termo pode ser traduzido como “bebê nepotista” e designa, de forma pejorativa, os herdeiros de gente conhecida ou influente na indústria do entretenimento. Filha da atriz Vanessa Paradis e do astro Johnny Depp, Lily agora tem de lidar com o peso do sobrenome. Recentemente, colegas no mundinho da moda a detonaram por supostos privilégios. Nas redes sociais, as ironias sobre sua célere evolução profissional vieram ácidas — e olha que o paizão nem está com tanta moral assim, depois do processo escandaloso com a ex Amber Heard nos tribunais. Antes mesmo de deslanchar na carreira, Lily já teve de se pronunciar em entrevista sobre as vantagens de ser filha de famosos: “Talvez você consiga uma porta de entrada, mas é só isso. Há muito trabalho que vem depois”.
George Clooney: Anatomy of an Actor
A herdeira de Johnny Depp se soma a uma nova safra de talentos “sangue azul” em ascensão no cinema, na TV e no streaming — mas que chegam à festa num momento em que as velhas e boas conexões de DNA, ainda que sempre ajudem, encontram-se sob intenso escrutínio. Nos últimos anos, Hollywood foi obrigada a dar respostas a cobranças por mais diversidade e inclusão, menos machismo e pelo fim da impunidade que cercava o assédio moral e sexual nos estúdios. Agora, o nepotismo está na mira.
O fenômeno do “filho de peixe” ou “afilhado de gente importante” não nasceu hoje, claro — é uma tendência inerente ao ser humano que reina em muitos lugares além do showbiz (vide as nomeações dos políticos clientelistas). Desde os primórdios do cinema e da televisão, os nepo babies estiveram em toda parte, da diva absoluta da categoria Liza Minnelli (rebenta do diretor Vincente Minnelli e da atriz Judy Garland) ao galã George Clooney (filho de Nick Clooney, conhecido jornalista e político americano e sobrinho da atriz e cantora Rosemary Clooney). Estrelas com “pedigree” sempre despertaram nos meros mortais algo entre o fascínio e a frustração. É como se, ao aproveitar a trilha aberta pela parentada, estivessem sabotando a tão sagrada meritocracia e traindo o público de alguma forma.
Os nepo babies da Hollywood atual ganharam evidência ao ser constantemente relacionados aos familiares bem-sucedidos nas redes sociais — o que despertou a percepção da geração Z sobre o tema, levando ao questionamento ético. A lista inclui nomes de estirpe respeitável como Maya Hawke (cria das feras Ethan Hawke e Uma Thurman), Maude Apatow (do comediante Judd Apatow e da atriz Leslie Mann) e Zoë Kravitz (do cantor Lenny Kravitz e da atriz Lisa Bonet). Por vezes, a influência perdura por gerações: é o caso de Dakota Johnson, filha dos atores Don Johnson e Melanie Griffith, e neta de Tippi Hedren, ícone dos anos 1960.
Como tudo que vira celeuma no Twitter e TikTok, as críticas aos nepo babies são estridentes. Na última semana, um ex-namorado de Lily Rose-Depp, o queridinho Timothée Chalamet, suscitou discussões sem fim quando seu agente postou no Twitter que há sete anos ele não precisa mais fazer audições para seus papéis. E olha que o rapaz tem credenciais consideradas humildes diante da complexa malha de contatos e privilégios familiares do entretenimento: um tio diretor e mãe ex-atriz. Alguns se sentem irritados com a cobrança. “Para constar, naveguei 44 anos com as vantagens que minha fama associada me trouxe, não finjo que não”, desabafou a veterana Jamie Lee Curtis, filha de dois rostos da era dourada de Hollywood, Tony Curtis e Janet Leigh. “A conversa atual é projetada para diminuir e machucar”, reclamou.
Um artista nascido em lar estrelado tem vantagens, é evidente. Mesmo que abdique do famigerado pistolão para vencer na carreira, é inevitável que já saia, de largada, com diferenciais como a experiência acumulada dos parentes ou a simpatia do público por eles. Mesmo que não queira, esse legado o perseguirá — às vezes como sina, como mostram os tormentos mentais de celebridades bem-nascidas como Liza Minnelli. Filho dos atores Dennis Quaid e Meg Ryan, Jack Quaid é um caso de artista que quis provar o talento por si próprio: antes do sucesso na série The Boys, aventou mudar seu sobrenome e recusou o mesmo agente do pai. Queria provar que era bom de verdade, e não fruto exclusivo do nepotismo. Não custa lembrar que inúmeros nepo babies conseguiram superar os pais em sucesso e prestígio — como Laura Dern, uma atriz excepcional (e filha de Bruce Dern e Diane Ladd). Ninguém tem culpa se o talento vem de berço.
Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825
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