O Teatro Oficina questiona, em comunicado enviado a VEJA, a fala do presidente do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), o engenheiro Cyro Laurenza, que disse achar “provável” que a disputa entre Silvio Santos e a companhia, que brigam pelos terrenos em volta do teatro, tenha um desfecho favorável ao apresentador. No final de maio, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) autorizou a Sisan, braço imobiliário do Grupo Silvio Santos, a construir prédios residenciais no local. O Oficina, liderado pelo diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, pleiteia os terrenos hoje vagos para a criação de um parque público, mas o apresentador, que é proprietário do espaço, se recusa a negociá-los.
Segundo Laurenza, uma decisão do Conpresp diferente daquela tomada pelo Iphan e pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), que deu ganho de causa a Silvio Santos no ano passado, seria “inócua” e poderia ser posta em xeque pelo Ministério Público. Para o engenheiro, não é da alçada do Conpresp “desapropriar propriedades públicas e privadas como também o de tombar um terreno vazio sem nenhum valor relativo ao Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo”.
“A transformação do terreno do grupo Silvio Santos, no Bixiga, em uma área pública é uma das lutas urbanas mais extraordinárias travadas entre o interesse privado e o público. Se para o atual presidente do Conpresp, Cyro Laurenza, esta luta de quase quatro décadas já tem vencedor, o interesse privado, para o Teatro Oficina e muitos artistas e intelectuais que testemunharam e testemunham este trabalho gigante, para as várias instituições e moradores do bairro envolvidos no movimento pelo Parque do Bixiga, para instituições nacionais e internacionais ligadas ao patrimônio, para muitos arquitetos e urbanistas, que se manifestam contrários à construção deste mega empreendimento imobiliário no Bixiga, esta decisão é muito mais complexa, ultrapassa a ponto de vista medíocre do atual presidente”, diz a nota do Teatro Oficina (leia a íntegra abaixo).
“Desde a atual abertura do processo, o atual presidente do Conpresp vem se manifestando como interlocutor do grupo Silvio Santos e causando polêmica pela banalidade com que se manifesta como operador do interesse privado no órgão que preside, demonstrando abertamente sua total parcialidade nessa questão. Sem o menor constrangimento de mostrar publicamente que não tem nenhum respeito pelo patrimônio protegido do bairro do Bixiga”, diz outro trecho do texto.
O Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) do Conpresp começa a discutir o caso na tarde desta segunda-feira, a partir das 13h. Membros do Teatro Oficina devem ir ao local fazer pressão.
Confira abaixo, na íntegra, o comunicado do Teatro Oficina:
Sobre o posicionamento público do atual presidente do Conpresp quanto à torres do grupo Silvio Santos, no Bixiga.
A transformação do terreno do grupo Silvio Santos, no Bixiga, em uma área pública é uma das lutas urbanas mais extraordinárias travadas entre o interesse privado e o público. Se para o atual presidente do Conpresp, Cyro Laurenza, esta luta de quase quatro décadas já tem vencedor: o interesse privado, para o Teatro Oficina e muitos artistas e intelectuais que testemunharam e testemunham este trabalho gigante, para as várias instituições e moradores do bairro envolvidos no movimento pelo Parque do Bixiga, para instituições nacionais e internacionais ligadas ao patrimônio, para muitos arquitetos e urbanistas, que se manifestam contrários à construção deste mega empreendimento imobiliário no Bixiga, esta decisão é muito mais complexa, ultrapassa a ponto de vista medíocre do atual presidente, e, pelos interesses coletivos que envolvem, mereceria uma discussão pública mais ampla e qualificada.
Na entrevista cedida à revista Veja, Cyro Laurenza, atual presidente do Conpresp, não apoia sua opinião no campo de atuação do patrimônio. Sua declaração parte de uma convicção íntima de que não há o que debater e discutir, inclusive entre os membros do conselho, já que nas suas palavras:- “A decisão (sobre a aprovação do projeto do grupo Silvio Santos) pode até ser diferente (do Iphan, que recentemente aprovou as torres), mas seria inócua, pois apenas demonstraria a vontade política do conselheiro, tratando-se de uma irresponsabilidade. O Ministério Público não permitiria”.
Cyro Laurenza Interpreta a análise técnica de um conselheiro do Conpresp ou do Departamento de Patrimônio Histórico, DPH, contrária à construção das torres, como:- “vontade política” e “irresponsável” . Pela gravidade desta afirmação, declarada como uma censura bem direcionada, é importante tornar público que, desde a primeira entrada do projeto no Conpresp, o DPH vem numa sucessiva emissão de pareceres contrários às torres, com argumentos contundentes e fundamentados, sobretudo, na resolução do tombamento do bairro do Bixiga, pelo Conpresp, em 2002. E Cyro Laurenza conclui, num delírio sobre a competência do cargo que ocupa, com uma chantagem explícita aos conselheiros que não seguirem sua determinação, estes já podem aguardar uma atuação do Ministério Público. E sobre a “vontade política”, não é por acaso que na atual gestão, projetos que não conseguiam emplacar em gestão anteriores, estão sendo destravados agora.
Em uma outra afirmação, o presidente do órgão, usa um artifício para desviar o assunto, quando é chamado a responder sobre obrigação destes órgãos de regulamentar a construção do terreno do grupo Silvio Santos, por estar numa sobreposição de envoltórias de bens tombados, despistando a responsabilidade real, com o assunto da desapropriação, que todos sabemos, não é da competência do Conpresp. Nas palavras de Cyro Laurenza, não é “da alçada” do Conpresp “desapropriar propriedades públicas e privadas como também o de tombar um terreno vazio sem nenhum valor relativo ao Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo”. Nunca se exigiu do Conpresp a desapropriação indireta do terreno, apenas que submetesse a análise do mega empreendimento proposto naquela área, às leis que protegem o bairro tombado do Bixiga e o Teatro Oficina.
Para isso não precisa ir além do próprio órgão que ele preside, todo o corpo técnico do Conpresp, de inequívoca competência e sensibilidade, que se sucederam durante os nove anos que se passaram da entrada da aprovação das torres até agora, produziram levantamentos, estudos, e pareceres que colocam a discussão para além da tolice, de submeter a decisão do Conpresp à decisão do Iphan, sendo ambos órgãos autônomos , que legislam sobre objetos diferentes, o Iphan tombou o Teatro Oficina e o Conpresp, o bairro todo do Bixiga.
O DPH sempre foi contrário ao empreendimento, através de uma interpretação muito qualificada e corajosa da resolução do tombamento do Bixiga, e sobretudo da perspectiva de quem compõe um órgão que tem, na razão de existir, a proteção do patrimônio cultural.
Em 2009, o parecer elenca as particularidade do bairro, que evidentemente, um condomínio com três torres de quase 100 metros de altura atropelaria de forma autoritária: “as características históricas de ocupação do bairro, como a forma de implantação predominante, gabarito do entorno imediato, volumetria da construção proposta, relação da nova edificação com as vias públicas e manutenção do desenho urbano original”.
Ainda o mesmo parecer, considera sobre as torres “que o modelo arquitetônico urbanístico adotado não é compatível com o contexto urbano em que está inserido, tampouco atende as diretrizes proposta para a área e portanto deve ser ajustado, de modo que prevaleça, o ponto de vista da preservação, caso contrário, não seria tombado.”
Em 2014, além de deixar evidente que “tal proposta interfere negativamente na paisagem”, o Conselho, diferente da orientação pró-mercado da composição atual do órgão, acompanhou o parecer técnico.
E finalmente o parecer atual, de 2018, desfaz uma certa insistência estratégica de alimentar o antagonismo entre Teatro Oficina e Torres do grupo Silvio Santos, que acaba destacando o prédio do teatro como único bem tombado, e tira do foco os outros 900 imóveis tombado no bairro e todos os elementos protegidos por lei no Bixiga: “a vegetação de porte arbóreo”, “todo bairro da Bela Vista e não apenas seu distanciamento (de 20 metros) do Teatro Oficina”. Os 20 metros de recuo das torres em relação ao teatro é regulamentação estritamente do Iphan e não deve ser analisada como regulamentação de envoltória pelo Conpresp.
É incontestável a veracidade dos argumentos contrários ao empreendimento, fundamentados nas leis e preservação do patrimônio, mas pelas manifestações já feita sobre este caso, o presidente do Conpresp expressa um desconhecimento absoluto acerca do patrimônio cultural e arquitetônico do Bixiga, um desprezo pela população do bairro – os que construíram este valor reconhecido pelo órgão e que serão os primeiros atingidos com esta possível aprovação – e também se mostra despreparado para presidir um órgão que, pela competência que tem, pode decidir sobre o destino de toda uma cultura e toda uma população.
Cyro Laurenza conclui que “(O projeto da Sisan) não é o único conjunto de torres na região, há empreendimentos assemelhados aguardando dias melhores da economia”, deixando explícito o que está por trás deste empreendimento é a abertura de um precedente para o mercado imobiliário tomar definitivamente, sem mediação ou regulação dos órgão de preservação do patrimônio, o bairro do Bixiga, este entreposto de resistência entre as partes da cidade já radicalmente transformadas, e interpretado pelos agentes da especulação imobiliária como obstáculo à livre atuação deste mercado.
Desde a atual abertura do processo, o atual presidente do Conpresp vêm se manifestando como interlocutor do grupo Silvio Santos e causando polêmica pela banalidade com que se manifesta como operador do interesse privado no órgão que preside, demonstrando abertamente sua total parcialidade nessa questão. Sem o menor constrangimento de mostrar publicamente que não tem nenhum respeito pelo patrimônio protegido do bairro do Bixiga.
O que os moradores diretamente afetados e especialistas vêm tentando dizer, é que a imposição desta obra monumental no fundo de vale do rio do Bixiga, é uma tragédia anunciada, mas evitável. Se acompanhar o parecer do escritório técnico, contrário à construção das torres é uma “irresponsabilidade” nas palavras de Cyro Laurenza, aprovar este empreendimento monumental é rasgar a resolução de tombamento do bairro do Bixiga e extinguir toda uma cultura que re-existe à ditadura da especulação imobiliária.