Ele tem 1,62 metro de altura, mas quando adentra uma floresta, encara uma onça de perto ou anda por entre as chamas de queimadas torna-se um gigante. “Quanto mais rompo o mato, menos sossego”, diz o fotógrafo Araquém Alcântara, de 71 anos. Nascido em Florianópolis e radicado em São Paulo, ele começou a produzir aos 18 anos, por influência de um filme japonês — e hoje é o mais conhecido fotógrafo de natureza do Brasil. Araquém completou meio século de profissão em 2020 e as comemorações, atrasadas pela pandemia, virão neste ano em forma de um livro e de uma mostra que rodará o país. Araquém Alcântara — 50 Anos de Fotografia, obra que será publicada em novembro pela Editora Vento Leste, reúne em 390 páginas seus registros antológicos. “É um retrato do imenso amor dele pela nossa maltratada natureza e por sua gente”, afirma a editora Mônica Schalka.
Para alguém que vive em movimento nas mais variadas aventuras, subindo montanhas, atravessando rios, desbravando as matas — só para a Amazônia já foi mais de quarenta vezes —, a pausa da pandemia foi um desafio inesperado. Araquém aproveitou para editar o livro — que será seu sexagésimo. “Estou devolvendo ao Brasil e às pessoas que fotografei um pouco do tanto que me deram”, afirma. “Sobretudo à Amazônia, meu modelo de universo.”
Conhecido por seu trabalho incansável de imersão no campo, o fotógrafo não se aguentou e viajou para o Pantanal e Amazônia durante o período mais terrível das queimadas, entre 2020 e 2021. Um traço extraordinário da fotografia de Araquém é, aliás, sua capacidade não só de expor a beleza da floresta, dos animais e de seus habitantes humanos: ele extrai poesia até da destruição da natureza, ainda que a serviço da denúncia. “Estamos caminhando para um desastre total. Ainda é possível consertar, mas existe uma urgência”, prega ele, evidenciando como assumiu com o tempo uma posição também de ativista.
Na visão do fotógrafo, não adianta ficar dizendo “a Amazônia é nossa” e não fazer nada por ela. Para ele, todos os problemas são fruto da inação governamental: “Enquanto não se entender o que significa a Amazônia e sua grandiosidade, não poderemos avançar”. Uma foto sua tornou-se emblemática do problema e viralizou: ela mostra um tamanduá-mirim em posição de súplica em meio às queimadas na região. A imagem foi feita em 2005, mas Araquém a repostou em 2019 pela força simbólica. Propagada por seus quase 500 000 seguidores nas redes, foi citada até pelo presidente da França, Emmanuel Macron.
Para Araquém, o país está diante do desafio de recuperar a vida selvagem e a biodiversidade, tão maltratadas pela caótica política ambiental do governo atual. “Nós, os defensores do mundo natural, precisamos exigir isso e gritar”, afirma. Além de suas fotografias, ele faz sua parte com ação: ministra cursos sobre suas expedições e já realizou inúmeras mostras no exterior, exibindo imagens que descortinam a beleza, mas também as agruras da natureza no país. Uma das marcas de sua carreira é ter conseguido o feito de fotografar todos os parques nacionais. O resultado é o livro TerraBrasil, lançado em 1999, que já está na 12ª edição, com 125 000 cópias vendidas.
Filho do pescador Manuel Alcântara, Araquém fez do pai personagem de uma de suas fotos mais célebres. No registro, seu Manuel surge segurando um quadro com imagens de caveiras em protesto contra o projeto (não levado adiante) de instalar usinas nucleares na Jureia, litoral paulista, em 1980. Araquém trouxe da origem familiar o amor por sua terra e pelas comunidades nativas. “Meu pai foi um sábio pescador que viveu 94 anos e me ensinou o caminho do autoconhecimento”, diz.
Seus cinquenta anos de carreira também serão comemorados com uma exposição fluvial que deve passar por mais de dez estados brasileiros. As fotos serão exibidas em balsas em formato triangular, com arquitetura de Marko Brajovic. Ao fazer um retrospecto, Araquém conta ter escapado algumas vezes da morte, como na ocasião em que viajava num monomotor que quase caiu. O risco faz parte do negócio: para ele, as grandes fotografias de natureza são feitas em frações de segundos.
Sua obra é a prova disso. Afora raros projetos em que registrou bichos em cativeiro, a vasta maioria das fotos é feita com o espírito de um explorador que rompe a “distância regulamentar” com os animais. Ele se lembra de um encontro com um lobinho no Pantanal e do olhar do filhote: “Para mim, são os olhos de Deus. A reconciliação do homem com a natureza está ali”. Para os mortais que não têm a chance de viver encontros assim, as imagens de Araquém são um belo conforto.
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797
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