Os destaques de 2021 no streaming
O fenômeno coreano 'Round 6' e o documentário brasileiro 'O Caso Evandro' estão entre os principais lançamentos
1- ROUND 6 (Netflix)
Acossado por dívidas e sobrevivendo de bicos, apostas e da ajuda da mãe idosa, o atrapalhado Seong (Lee Jung-jae) se rende a uma saída péssima da qual não vê escapatória: participar de uma gincana que dará ao vencedor 40 milhões de dólares — mas de que nenhum dos outros 455 competidores sairá vivo. Violento e angustiante, mas irretocável no exame das contradições humanas, Round 6 mereceria o título de melhor do ano só por seu roteiro afiado e sua direção vívida. Mas a série alcança o raro estágio do sucesso que caracteriza um fenômeno cultural: provoca identificação imediata e não sai da boca do povo. Mais que tudo, expõe o elemento que torna o soft power da Coreia do Sul hoje imbatível: a capacidade de tocar o mundo falando de problemas tão locais quanto universais, como o desalento e a resiliência na crise.
2- MARE OF EASTTOWN (HBO/HBO MAX)
A pacata Easttown, na Pensilvânia, é como muitas cidades pequenas no mundo. Ali, todos se conhecem desde sempre, o disse me disse é arraigado e desentendimentos entre clãs se espalham como fogo inquisitivo. É nesse ambiente que a detetive Mare Sheehan (Kate Winslet) vive — mas não se encaixa. Objetiva e comprometida com a correção, acima das relações de um mundinho tão conectado, ela se vê diante do terrível assassinato de uma adolescente. A morte coincide com a passagem de um ano do desaparecimento de outra jovem — caso não solucionado que assombra Mare. Em sete episódios bem amarrados e com atuações brilhantes — especialmente a de Kate —, a série aposta no formato whodunnit (o “quem matou?”) para explorar o intrincado jogo de hipocrisias e segredos de uma sociedade feita de conveniências.
3- THE WHITE LOTUS (HBO/HBO MAX)
Embora lançada de mansinho, com um único episódio sendo liberado de forma discreta a cada semana, The White Lotus logo reafirmou a capacidade mágica da HBO de produzir hits na base do boca a boca. Nesse caso, um êxito justíssimo: a minissérie do americano Mike White é um delicioso mergulho em um mundinho peculiar — um resort no Havaí — no qual convivem diferentes estratos da fauna humana — os hóspedes endinheirados, ainda que insatisfeitos, e os empregados calejados, mas transbordantes de carência. Da fricção entre eles se extraem ironia, humor e até reflexões sobre o caráter. Ao focar esse singelo microcosmo, mais uma vez a TV provou o valor da máxima do escritor russo Liev Tolstói: “Fale de sua aldeia e estará falando do mundo”.
4- TED LASSO (Apple TV+)
Com seu vasto bigode no rosto e um marcado sotaque caipira, Ted Lasso (Jason Sudeikis), treinador de futebol americano nos Estados Unidos, aceita um convite inusitado: assumir um time da primeira divisão do futebol inglês em Londres. Sem saber nada sobre o esporte praticado com os pés, Lasso acredita, porém, que todo time precisa da mesma coisa: uma combinação de otimismo com trabalho em equipe. Longe de sua família, o treinador não é o único solitário por ali. No campo estão jogadores de diferentes países e culturas; na direção, Rebecca (Hannah Waddingham) ainda se recupera do divórcio com o bilionário ex-dono do time. Em sua segunda temporada, a comédia com pitadas de drama manteve sua ideia central: é possível (e melhor) viver em uma comunidade, mesmo que só uma coisa os conecte — o tal futebol.
5- O CASO EVANDRO (Globoplay)
Em 1992, o desaparecimento do menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, e a posterior identificação de seu cadáver selvagemente mutilado criaram comoção na cidade paranaense de Guaratuba e ganharam as manchetes no país — mais ainda quando a mulher e a filha do então prefeito foram acusadas de ter comandado o suposto ritual satânico juntamente com outras cinco pessoas. Tirada por Ivan Mizanzuk do podcast de seu Projeto Humanos, em colaboração com o diretor Aly Muritiba, de Deserto Particular, a minissérie é um primor de narrativa e uma reinvestigação rigorosa do caso — muito mais rigorosa e objetiva, aliás, que o trabalho conduzido pelo Ministério Público e pelas forças policiais à época. Um retrato desalentador de mazelas nacionais diversas, do despreparo ao preconceito.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770