Com curvas e lábios estonteantes, a influenciadora de moda e beleza Flavia Pavanelli vem enfrentando a quarentena em ritmo de expediente atribulado. Em sua casa, na cidade de São Paulo, faz fotos e vídeos da rotina para 17 milhões de seguidores, como se o mundo estivesse em curso natural: tem troca de roupa ao lado de seu stylist particular, presença em confraternizações para assistir a lives de cantores pelo YouTube e tutorial de maquiagem para realçar seu rosto esculpido pelo DNA e aprimorado por preenchimentos. E dá-lhe os famigerados looks do dia com roupas de grifes caras, como Balenciaga. Considerando-se o drama do planeta por causa da Covid-19, não é de espantar que o negócio tenha lhe rendido inúmeras críticas, a ponto de a moça precisar se explicar. As confraternizações regadas a lives rolaram apenas na companhia de familiares e do personal stylist, que se mudou para a mansão de Flavia (ah, o mundo dos ricos…).
Embora não tenha mudado ainda o vício das estrelas das redes sociais nos likes e a necessidade permanente de afagos no ego, a pandemia acertou em cheio o lucrativo mercado das influenciadoras, que, ao fazer de sua vida um produto, passaram a faturar muito dinheiro com publicidade. Na era pré-crise, um post pago de blogueiras de moda com mais de 3 milhões de seguidores girava em torno de 50 000 reais. Em 2019, a propaganda veiculada por essa turma movimentou 8 bilhões de dólares só nos Estados Unidos, segundo um estudo da Business Insider Intelligence. Mas o isolamento social veio e cortou a raiz que faz com que uma celebridade digital seja interessante aos olhos dos internautas ávidos por acompanhar tudo pela tela do celular: a rotina. Não há mais viagens ao exterior, tampouco primeiras filas de desfiles em Paris, noitadas em festas de amigos famosos e mesas fartas em restaurantes da moda. Resta criar conteúdo na quarentena, dentro de casa. Não bastasse o nonsense desse tipo de produção em tempos de coronavírus, o negócio tem efeito prático nulo. Quem vai se inspirar afinal em um look do dia sem poder sair?
Parece óbvio, mas não custa lembrar: isolamento social e ostentação não combinam. A nova etiqueta das redes não tem perdoado escorregões como o da pouco sorridente Thássia Naves, com 3,6 milhões de seguidores no Instagram. Ela aproveita parte do tempo para fazer vídeos no aplicativo TikTok tendo as prateleiras de seu estupendo closet como pano de fundo. Ao som de Funkytown, da banda Lipps Inc, troca de roupa e sapatos com dezenas de exemplares de bolsas Hermès, Dior e Prada como cenário. Nem o fato de Thássia ser promotora de um grande bazar beneficente anual aliviou o tropeço. Outra que causa espanto é a bilionária Sarah Mattar. Com 327 000 seguidores, a filha de Salim Mattar, dono da Localiza e secretário de Desestatização, Desenvolvimento e Mercados do governo de Jair Bolsonaro, posta cenas do cotidiano em que aparece cuidando de seu filho ambientadas na fazenda da família, ornada de uma piscina com cachoeira particular e verde a perder de vista. Em um passado recente, esses posts tinham muito apelo e, com isso, ajudavam a alavancar a popularidade na internet e a gerar faturamento. Mas o jogo mudou e tentar criar uma bolha da fantasia em meio à ameaça da Covid é mau negócio. “Quem não tiver um pé na realidade ficará fora do mercado”, diz Pedro Tourinho, publicitário e autor do livro Eu, Eu Mesmo e Minha Selfie.
A dificuldade de adaptação não acontece apenas no Brasil. A apresentadora americana Ellen DeGeneres disse que a quarentena a fez sentir-se em uma prisão — pois não sai de casa e veste a mesma roupa por dias seguidos. Ocorre que a “prisão” dela tem sido sua mansão de Montecito, na Califórnia, avaliada em 27 milhões de dólares e dentro de um terreno de 33 000 metros quadrados com academia, piscina e um jardim de cactos. Kylie Jenner, irmã de Kim Kardashian, postou seus cafoníssimos hashis da Louis Vuitton. David Geffen, fundador da DreamWorks e o homem mais rico de Hollywood, publicou uma imagem de seu iate de 138 metros ao falar de cumprir a quarentena singrando o Mar do Caribe. Geffen e Kylie foram criticados pelo descompasso total com o momento. Não parece que vivem no mesmo país em que mais de 45 000 pessoas já morreram em decorrência do coronavírus.
Enquanto uma parte dos influenciadores sofre para entender o novo mundo, há casos que podem ser classificados como autênticos exemplares de darwinismo das redes sociais. A italiana Chiara Ferragni é a Gisele Bündchen das blogueiras: a número 1. Com o agravamento da Covid na Itália, ela doou do próprio bolso 100 000 euros e fez uma vaquinha virtual em prol de hospitais públicos do país. Até a semana passada, a iniciativa havia arrecadado 4,4 milhões de euros. Como efeito colateral, Chiara amealhou novos 2 milhões de seguidores em sua conta no Instagram, hoje com 19,6 milhões de fãs. Chiara, note-se, não deixou de postar fotos na frente do espelho usando bolsa Chanel nem de vender sua coleção de roupas, agora de moletom ou de academia. Apenas diversificou o que já fazia, adaptando-se ao momento atual. Deu certo.
A mudança de dinâmica na rede social não afeta apenas famosos. Há muitas pessoas saindo para correr na orla da praia ou nas ruas, mas, no momento, sem postar nada pelo receio de ser criticadas por romper o isolamento social. A hashtag lookdodia caiu mais de 90% em popularidade desde o início da crise. Por outro lado, a hashtag TBT, de throwback thursday, dedicada às postagens de fotos antigas, cresceu mais de 1 000%. A #TBT virou a única forma de publicar fotos de viagens antigas e de lugares ao ar livre, funcionando como um escapismo em tempos de isolamento social.
Ironicamente, a quarentena aumentou o público disponível para quem vive de aparecer na internet — a questão é acertar o tom. Plugada no celular, a audiência tem ficado um tempo 30% maior vendo os vídeos no Stories do Instagram. Mas o que as pessoas rejeitam é o conteúdo repleto de ostentação, quando a vida se mostra dura e cruel. Estar confinado significa não poder fazer propaganda pelo Instagram? Não, afinal esse é o ganha-pão de influenciadores e de inúmeras empresas. “Anunciar serviços de delivery e de streaming é pertinente ao momento”, afirma o publicitário Pedro Tourinho. “Só não dá para postar look do dia na mansão com a hashtag fiqueemcasa. Parece deboche.” O desafio para muitas influenciadoras será trocar os excessos e a falta de noção característicos de boa parte da classe por uma dose emergencial de bom senso, ainda que isso possa ser a chave para a sobrevivência. Na caso da blogueira Flavia Pavanelli, o maior castigo para o descompasso entre seus posts e a realidade veio na forma de um resultado positivo para o teste da Covid-19. Passado o susto, a modelo conta estar recuperada — e pronta para mais um look do dia.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684