Os melhores filmes de 2021
Ainda levará tempo para Hollywood e o circuito exibidor recuperarem suas perdas. Mas o primeiro passo foi dado
Após o baque terrível de 2020, o entretenimento renasceu das cinzas no ano em que o mundo atestou o valor das vacinas contra a Covid-19 — ainda que com idas e vindas, e tome adiamentos no caminho. As salas de exibição aos poucos reabriram, o streaming multiplicou as frentes de sua ascensão fulminante e outro milagre aconteceu: os filmes arrasa-quarteirão, feitos para encher os olhos na tela grande, voltaram a dar as caras. Ainda levará tempo para Hollywood e o circuito exibidor recuperarem suas perdas. Mas o primeiro passo foi dado. Mais importante: do cinema à literatura, da música à TV, o senso de urgência criativa e as reflexões agudas sobre o ser humano marcaram 2021.
1- DUNA (Dune)
A adaptação do canadense Denis Villeneuve para Duna, o clássico de 1965 do escritor Frank Herbert, provoca um espanto muito diverso daquele da versão feita em 1984 pelo cineasta David Lynch: em vez do excêntrico e do grotesco, Villeneuve prefere o abstrato, o minimalista em escala colossal e o transcendente. Desde as vistas de areias infinitas do planeta Arrakis, onde criaturas monstruosas disputam com dois clãs rivais a preciosa “especiaria”, até a arquitetura austera dos mundos que mostra, as interpretações tão tensas quanto contidas de seu elenco e a música ao mesmo tempo ressonante e etérea de Hans Zimmer, o diretor busca cercar o espectador com seu filme, criando um efeito de sonho ou visão. O risco de lançar a Parte I sem tem certeza de que haveria uma Parte II valeu a pena: a continuação já está confirmada.
2- ATAQUE DOS CÃES (Power of the Dog)
Um irmão se casa com uma viúva, e o outro irmão, a personalidade dominante, toma para si a missão de torturá-la e destruí-la desde a hora em que ela põe os pés no rancho dos dois, na Montana dos anos 1920. A simplicidade aparente do magistral romance de Thomas Savage, de 1967, esconde camada após camada de complexidade — e assim derrotou cinco tentativas anteriores de adaptá-lo para o cinema. A neozelandesa Jane Campion, porém, sai vitoriosa da tarefa de transformar prosa em imagem e exprimir o que não pode ser dito: que Phil (Benedict Cumberbatch), o irmão que despreza a todos, não pode admitir nem para si mesmo quem é, e a vida inteira de negação e sublimação é que o tornou assim pernicioso. Um êxito formidável tirado de um desafio dado como intransponível.
3- DRUK — MAIS UMA RODADA (Druk)
Não beber no trabalho é uma norma implícita, mas um quarteto de professores recuperou o brio e a alegria desde que começou a quebrar essa regra. No caso de Martin (Mads Mikkelsen), os benefícios são nítidos: suas aulas se tornam vigorosas e vibrantes, a crise no casamento recua, os filhos voltam a notá-lo. E se o êxito fosse ainda maior com doses mais altas? Deslizando junto com os amigos nessa ladeira escorregadia, sem julgá-los e perguntando-se por que a certa altura se perde assim o viço, Druk transborda vida própria e uma energia indomesticável, ziguezagueando entre o hilariante e o avassalador. Mais extraordinário ainda é que o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg tenha conseguido orquestrar essa celebração do sentir-se vivo após perder a filha de 19 anos em um acidente, no quarto dia de filmagem.
4- DESERTO PARTICULAR
Taciturno, o policial curitibano Daniel (Antonio Saboia) foi afastado da corporação ao protagonizar uma agressão que viralizou na internet. Para pagar as contas, trabalha como segurança à noite. De dia, cuida do pai, um ex-sargento com demência. A solidão e os problemas com a Justiça se esvaem quando ele fala com Sara, uma mulher com quem se relaciona pela internet. Quando ela some, o rapaz embarca numa viagem de quase 3 000 quilômetros, do Sul até o sertão da Bahia, atrás da paixão misteriosa. Dirigido por Aly Muritiba, cineasta baiano radicado na capital do Paraná, o longa — selecionado para representar o Brasil no Oscar — é um romance envolvente, delicado e erótico, que une lados opostos do país, tanto na geografia quanto nas ideias e tipos envolvidos, para revelar sentimentos universais e desejos que quebram preconceitos.
5- O ESQUADRÃO SUICIDA (The Suicide Squad)
Após transformar um grupo de desajustados — os Guardiões da Galáxia — em sucesso para a Marvel, o diretor/roteirista/mente fervilhante James Gunn fez o mesmo, com honras, para a rival DC. Gunn é a melhor coisa que poderia ter acontecido ao bando de criminosos chantageados pelo governo a participar de missões nas quais a volta é incerta: ele liberta a Arlequina de Margot Robbie para ser quem é — doce, alegre, entusiasmada e doida —, traz de volta outros personagens, manda uns tantos pelos ares e soma ao rol delícias como Idris Elba, a portuguesa Daniela Melchior, um tubarão-branco com a voz de Sylvester Stallone e uma doninha depravada. É tudo de que o estúdio precisava: vigor, energia, escracho e criatividade delirante, sem filtro nem censura.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770