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Pandemia impulsiona os instant books, livros feitos no calor dos fatos

Produzidos a toque de caixa para pegar carona nos temas do noticiário, eles ganham espaço e diversidade no país do coronavírus

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 15h17 - Publicado em 18 set 2020, 06h00
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  • Nos primeiros meses de 2020, os brasileiros se sentiram atropelados pelos fatos. Houve a explosão da pandemia, os arroubos de Donald Trump e Jair Bolsonaro, a economia e o emprego em queda, a quarentena — tudo ao mesmo tempo e agora. Para cada uma dessas angústias, entretanto, o mercado editorial ofereceu antídotos com rapidez jamais vista. O Brasil e o mundo vivem hoje a era dos instant books — livros instantâneos produzidos a toque de caixa para pegar carona em temas do noticiário. A partir de abril, menos de um mês após a Covid-19 atingir o país, a editora Boitempo publicou dez ensaios da coleção Pandemia Capital, em que estudiosos analisam a crise sob uma perspectiva política. No mesmo período, a Planeta levou aos leitores sete contos inspirados no isolamento social, escritos em cerca de um mês. Todavia e Companhia das Letras são outras casas editoriais que ampliam a diversidade de ofertas. Dos problemas da Amazônia aos desafios da maternidade no home office, há pílulas instantâneas em forma de livro para o gosto de cada um.

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    Publicações feitas para tirar proveito de fatos de grande repercussão não surgiram só agora. Em 1964, poucos meses depois do assassinato de John F. Kennedy em Dallas, a tragédia ensejou a primeira obra que viria a ser classificada de instant book: um livro de mais de 700 páginas sobre o caso teve 1,7 milhão de cópias impressas. O célebre apagão de 1965 em Nova York e a chegada do homem à Lua, em 1969, inspiraram produções instantâneas — assim como o desempenho do corredor Carl Lewis nos Jogos Olímpicos de 1984. A biografia de Lewis foi publicada a jato: apenas 41 horas e 55 minutos depois do evento.

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    Nos primórdios, os livros instantâneos eram iniciativas excepcionais. As taxas de urgência pagas às gráficas e distribuidoras encareciam o produto e comprometiam o lucro das editoras. O advento da internet e dos livros digitais — os e-books — mudou o cenário. No Brasil, esse renascimento já era visível nos protestos de 2013: o jornalista Piero Locatelli levou menos de um mês para tirar do forno o e-book VemPraRua, ensaio de 52 páginas escrito no olho do furacão. Três anos depois, com Donald Trump recém-eleito presidente americano, transcorreram só seis semanas desde que a editora Skyhorse firmou contrato com o escritor Roger Stone até a impressão de 200 000 cópias de The Making of the President 2016.

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    O atribulado 2020 foi o empurrão que faltava para o instant book se impor como tendência. Em março, quando as livrarias brasileiras fecharam as portas em razão do confinamento, as editoras tiveram de se virar e os volumes instantâneos se mostraram uma opção valiosa para animar as vendas de um setor que fazia tempo já vinha em crise. Como a maioria dos títulos é em e-book, a distribuição ganhou agilidade, e o custo de produção desabou: representa um terço do valor de um livro impresso padrão.

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    Para além das vantagens comerciais, os instant books vêm ao encontro de uma demanda real: em tempos de incerteza, acenam com palavras de conforto e análises sucintas de temas complexos. O Amanhã Não Está à Venda, com reflexões do líder indígena Ailton Krenak sobre a pandemia, levou a Companhia das Letras à marca de 150 000 downloads gratuitos. Mas não é fácil. Escrever sob pressão de prazos exíguos afeta o trabalho dos autores. Leonardo Avritzer, cientista político habituado a análises em marcha lenta, pisou no acelerador por três semanas para tecer Política e Antipolítica, título de uma coleção de instant books da Todavia que já vendeu 13 000 cópias. “Escrever assim exige um ajuste constante no argumento, pois tudo está mudando”, conta Avritzer, que discorre sobre o governo Bolsonaro e a pandemia. A série da Planeta de contos sobre a quarentena também teve bons resultados e foi uma experiência peculiar. Os autores tiveram duas semanas para colocar a história no papel e 24 horas para fazer as alterações pedidas pelos editores. Paralelamente, um estúdio produzia as capas e o texto era diagramado e revisado antes de seguir para a digitalização e disponibilização on-line. “Como cronista, eu parto da observação, e neste momento nos falta a observação do outro”, conta Daniel Bovolento, autor de Sete Dias para o Fim do Mundo, que encabeçou o ranking de contos mais vendidos da Amazon. Na trama apocalíptica, o mundo entra em colapso e, presas em casa, as pessoas têm de lidar com a iminência do fim. Se isso um dia ocorrer de verdade, lá estarão os instant books para destrinchar a história.

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    Publicado em VEJA de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705

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