Peter Frampton precisa solar mais rápido do que nunca. Portador de uma doença degenerativa muscular que atinge principalmente as pernas, os braços e as mãos — a miosite por corpos de inclusão —, ele em breve não será mais capaz de tocar guitarra. Aos 70 anos, o artista inglês quer gravar e lançar a maior quantidade possível de músicas antes que seja tarde. No fim de 2019, ele anunciou a aposentadoria dos palcos e disse que dedicaria o ano seguinte a esse objetivo. Mas a dramática corrida contra o tempo ganhou um inesperado complicador: o coronavírus, que atrasou seus planos de trabalho em estúdio. “Sou realista. Se tiver alguma chance de continuar tocando, eu vou continuar. Mas, quando a pandemia acabar, posso estar em um estágio em que já não conseguirei mais”, disse a VEJA por telefone (leia mais aqui).
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O formato de seu novo álbum, com lançamento na sexta-feira 23, reflete a pressa do artista, que hoje ostenta uma calva no lugar da cascata de cachos dourados dos tempos de glória. Era um visual híbrido de surfista e guitar hero. Ao concentrar-se atualmente em covers instrumentais de canções de velhos amigos, ele não perdeu tempo compondo novas letras ou arranjos. O álbum Frampton Forgets the Words comprova o subestimado virtuosismo do guitarrista em releituras de George Harrison, Stevie Wonder, David Bowie e até Radiohead.
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Resiliente, Frampton teve uma vida repleta de altos e baixos. Ora foi celebrado como um dos maiores guitarristas do rock, ora ignorado por todos. Não por acaso, diz que o novo disco homenageia quem o ajudou a se reerguer. Um desses anjos foi Bowie. Frampton o conheceu na escola, quando o futuro Camaleão do Rock ainda se chamava David Jones e era aluno de artes de seu pai. Surgiu daí uma amizade para toda a vida. Na música, enquanto Bowie seguiu seu caminho peculiar, Frampton formou o grupo Humble Pie, no fim dos anos 70. Mas foi em carreira-solo que ele estourou, com o álbum Frampton Comes Alive!, de 1976, até hoje considerado o disco ao vivo mais vendido da história, na esteira de hits como Baby, I Love Your Way e Show Me the Way. Ao lado das baladas matadoras, sua marca registrada eram os solos feitos com talkbox, um dispositivo conectado na guitarra e em um cano de borracha que faz o instrumento soar como se estivesse cantando. “Quando o usei pela primeira vez, ninguém sabia o que era aquilo”, relembra Frampton.
A partir daí, a vida dele se transformaria em uma gangorra. No auge da carreira, ele quase morreu em um acidente de carro nas Bahamas. Para piorar, sua guitarra favorita, uma Gibson Les Paul 1954, desapareceria num acidente de avião em 1980, após a queda do cargueiro que a transportava em tour na Venezuela. Viciado em álcool e remédios, além de falido, Frampton ficou longe dos palcos por anos. A volta por cima se deu graças a Bowie, que o resgatou em 1987 para participar de um álbum e turnê mundial. E, como num milagre, sua guitarra reapareceu: ela sobreviveu ao acidente e, 32 anos depois, voltou para o dono após alguém achá-la e vendê-la a terceiros.
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Nas últimas décadas, Frampton viveu basicamente dos louros do sucesso do passado, sem arriscar muito em coisas novas. O diagnóstico da miosite, revelado em 2019, tiraria o músico da zona de conforto. Ciente de que o tempo como guitarrista é finito, Frampton já tem na manga um novo álbum de covers de blues, sequência de outro belo trabalho lançado há dois anos. “Tudo o que quero agora é compor e gravar”, diz. Que os deuses do rock inspirem o herói da guitarra em seus últimos acordes.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734
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