Por que as estrelas de ‘Stranger Things’ querem parecer mulheres maduras
Tendência vem do desejo de corresponder a novos padrões femininos, mas sem a sexualização do passado
Durante evento de estreia da quarta temporada de Stranger Things, em maio deste ano, Millie Bobby Brown, intérprete de Eleven na série que é o maior fenômeno atual da Netflix, surgiu em um sóbrio vestido branco e preto. O corte de cabelo com franja acentuava o ar de mulher adulta. Embora tenha só 18 anos, a atriz lembrava a personagem de Sandra Bullock no filme Um Sonho Possível (2009) — detalhe: à época, a veterana tinha 44 anos. Em vídeo dos bastidores da série divulgado recentemente, mais um visual de Millie — agora, um conjunto preto acompanhado de madeixas escuras escorridas — rendeu comparações entre os fãs nacionais com outra atriz mais velha: Claudia Raia, de 55.
Stranger Things: Raízes Do Mal
O cultivo de uma imagem madura se estende a mais atrizes do elenco da série, como Sadie Sink, que faz a personagem Max, e Priah Ferguson, a Erica da trama. Aos 20 anos, Sadie vem preferindo ternos que escondem as curvas de seu corpo e lhe dão uma aura séria. Já Priah, de apenas 15, às vezes investe num vestuário adolescente colorido, mas prefere o guarda-roupa de mulher maior de idade. As estrelinhas de Stranger Things resumem, assim, uma novidade comportamental. Na transição da fase infantil para a sonhada carreira adulta, já não basta às atrizes se vender como mulherões: elas precisam transmitir certa imagem de seriedade e segurança.
Stranger Things: Cidade Nas Trevas
Desde os primórdios do cinema e da TV, a pressão sobre as estrelas infantis — especialmente do sexo feminino — sempre foi avassaladora. Já é comprovado que crescer na frente das câmeras prejudica a saúde mental das meninas, que precisam se desenvolver sob o escrutínio de milhões de pessoas. Não à toa, muitas atrizes infantis lançadas pela Disney sofreram com a cobrança de virar adultas quanto antes. Miley Cyrus, ex-intérprete de Hannah Montana, abandonou a figura de criança e se consolidou como diva pop indo pelo caminho de praxe — o abuso da sensualidade. Isso rendeu frutos, mas cobrou um preço psicológico, incluindo até problemas com drogas. A busca desesperada pela maioridade levou pelo mesmo caminho jovens atrizes como Emma Watson, a eterna Hermione de Harry Potter, e Mara Wilson, a Matilda de 1996.
Na geração das meninas de Stranger Things a pressão ganhou nuances distintas. Ao se vestir como adultas, elas buscam fugir da hipersexualização com intuito de ser levadas a sério e, sobretudo, corresponder às expectativas de uma nova forma de empoderamento feminino. Crescidas na era do #MeToo, Millie, Sadie e Priah demostram uma atitude que deve reverberar pelas próximas décadas, ao vestir a ideia de que não é preciso ser sexy para ser vista como amadurecida.
A forma como as novas estrelas infantis lidam com a transição de idade parece mais equilibrada em relação ao passado. Mas o fato é que elas ainda estão sujeitas a um efeito negativo no processo: a necessidade de “pular” uma parte essencial na construção de qualquer pessoa, a adolescência. A psicóloga e psicoterapeuta Débora Laks, especialista nessa faixa etária, explica que a “adultificação” é a tentativa de acelerar o desenvolvimento, impedindo que um jovem possa viver experiências importantes. “Esse fenômeno costuma ser impulsionado por estímulos inadequados”, pondera. E alerta: “A puberdade precoce hoje é estimulada ainda mais pelas redes sociais, o que merece reflexão da sociedade”. As garotas talentosas brilham na tela — mas pagam o preço de ter a infância interrompida.
Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800
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