É incontestável que Amsterdã, a capital da Holanda, atrai turistas de toda parte por seus museus espetaculares, sua arquitetura peculiar e sua rede de canais e pontes graciosas. Mas também é fato que uma parcela dos visitantes está de olho em outra coisa: os coffee shops onde é permitido consumir maconha sem ser incomodado. A Holanda descriminalizou a posse de maconha em 1976 — maiores de idade podem comprar, enrolar e fumar seu baseado dentro de 166 estabelecimentos devidamente licenciados no país. Na capital, porém, a farra corre risco de sofrer um baque: a prefeita Femke Halsema encaminhou um projeto de lei que proíbe o acesso de turistas aos cafés, limitando sua frequência aos moradores. Segundo ela, o mercado cresceu de forma descontrolada e o alto consumo está financiando a ação do tráfico na cidade. “Amsterdã seguirá sendo hospitaleira e tolerante, mas temos de reprimir a ação prejudicial do crime organizado”, afirma.
Nos 45 anos em que se fuma maconha legalmente em Amsterdã e outras cidades holandesas, as autoridades nunca tomaram providência para pôr fim a um paradoxo legal. A legislação permite a posse individual de até 5 gramas de maconha e sua venda em locais autorizados, mas proíbe o plantio, o que coloca o fornecimento nas mãos do tráfico internacional. Em consequência, gangues se instalaram no país e aproveitam sua política tolerante em relação à cannabis e sua condição de centro do comércio mundial para comercializar drogas pesadas e fabricar as sintéticas — calcula-se que esse mercado movimente mais de 20 bilhões de dólares por ano. Sem falar nos crimes e assassinatos, que não param de crescer e assustam a população. Pelos cálculos da prefeitura, um terço dos turistas visita Amsterdã exclusivamente para fumar maconha, um tipo de excursão que já está sendo reprimido em outras cidades holandesas. A capital está fechada ao turismo e a intenção da prefeita Haselma é já ter vetado os coffee shops a gente de fora quando a situação se normalizar. “Vamos receber quem estiver interessado em nossas atrações, não os que vêm apenas para beber e se drogar”, dispara ela — que é progressista e ecologista. Outra opção seria liberar o plantio de cannabis, medida que está em teste em dez cidades. Se der certo e a legislação mudar, pode ser a salvação — literal — da lavoura.
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730