Quase ninguém havia ouvido falar de Starlord, Gamora e Groot em 2014, quando a Marvel Studios, empresa do grupo Disney, lançou Guardiões da Galáxia. Os 773,3 milhões de dólares de faturamento no mundo todo (cerca de 2,4 bilhões de reais) mostraram que a Marvel, presidida por Kevin Feige, pode quase tudo. E, claro, uma continuação logo foi colocada em produção, chegando na forma de Guardiões da Galáxia Vol. 2, longa dirigido pelo mesmo James Gunn do primeiro filme. Na nova produção, em cartaz desde quinta-feira no país, Peter Quill, autodenominado Starlord e interpretado por Chris Pratt, encontra o pai, enquanto Gamora (Zoe Saldana) precisa acertar as contas com a irmã Nebula (Karen Gillan). Tudo isso enquanto a trupe, composta pelo grosseirão Drax (Dave Bautista), pelo imprevisível Rocket (voz de Bradley Cooper) e por Groot (voz de Vin Diesel), agora numa versão bebê adorável, precisa fugir da fúria de Ayesha (Elizabeth Debicki), a quem roubaram. No caminho, topam com Ego (Kurt Russell), um sujeito com um mundo só seu.
Desde o lançamento do Universo Cinematográfico Marvel (ou MCU, do inglês Marvel Cinematic Universe), com Homem de Ferro em 2008, os filmes produzidos pelos estúdios faturaram quase 11 bilhões de dólares (34,6 bilhões de reais). Colossal, esse número exclui os longas baseados nos quadrinhos Marvel que não foram produzidos dentro do MCU, como as séries X-Men e Homem-Aranha. Tudo responsabilidade de Feige, 43, presidente desde 2007 dos estúdios Marvel, comprados em 2009 pela Disney. Em entrevista a VEJA, ele fala sobre Guardiões da Galáxia, de diversidade, das polêmicas envolvendo o estúdio, como a falta de bonecos dos personagens femininos, e por que os super-heróis são mais importantes que os vilões:
O primeiro Guardiões da Galáxia foi considerado diferente, um tanto arriscado. Acha que o sucesso do filme influenciou os que vieram depois? O sucesso do primeiro nos deu a confiança de que o público estaria disposto a explorar novas possibilidades conosco. Não estavam interessados apenas no Homem de Ferro ou no Capitão América, queriam conhecer novos personagens e lugares desconhecidos e interessantes. E isso era algo que sempre quisemos fazer, porque os quadrinhos têm todo tipo de personagens únicos e locais diferentes. Queríamos explorá-los, e Guardiões certamente foi uma prova de que o público, mesmo que nunca tenha ouvido falar dos personagens, vê aquele logotipo dos Marvel Studios acima do título e por ele está disposto a conferir do que se trata. E esse foi um momento de virada para nós. Significou muito.
Isso significa que a Marvel não tem como errar? Não! De jeito nenhum. Mas significa que os espectadores estão dispostos a arriscar e conhecer novos personagens de que nunca ouviram falar. E é nossa responsabilidade entregar um bom produto e atender a essas expectativas.
Foi então uma espécie de teste para o estúdio? Acho que sim. Nós nos propusemos a fazer um filme bacana no espaço, porque queríamos fazer uma grande produção de ficção científica no espaço sideral, mas certamente, depois do sucesso, significou que podíamos tentar novos caminhos.
O filme tem mais de todos os personagens principais, especialmente do Groot bebê. Essa decisão tem a ver com os comentários dos fãs após o primeiro filme? Acho que sim. Groot tinha um papel grande no primeiro, e James (Gunn) queria usá-lo mais desta vez. Acredito que vem de uma inclinação natural de James. Se você analisar, outros personagens também cresceram, como Nebula e Yondu, que era importante no primeiro, mas ganha novo significado neste.
De que forma o filme ajuda a estabelecer o terreno para o novo Vingadores: Guerra Infinita? Não posso falar muito sobre Vingadores, mas você vê Nebula dizendo que vai atrás de um personagem no final do Vol. 2, que é Thanos, importante em Guerra Infinita. Então, essa é a conexão mais direta.
O filme é sobre a formação de uma família – e uma família diversa, cheia de gente de raças e espécies diferentes. Por que é importante um filme baseado em quadrinhos falar disso? Acho ótimo que qualquer filme fale sobre diversidade. Meu brinquedo favorito nos parques Disney é “It’s a Small World”, e é um mundo pequeno, vivemos numa comunidade global. Representar isso em todos os nossos filmes, seja no espaço ou na Terra, é importante. E nós podemos fazer com um guaxinim ou pessoas verdes, ou pessoas azuis, a mensagem é mesma, um pouco mais universal.
Acha que as pessoas entendem a mensagem? Espero que sim. Uma das coisas legais da ficção científica e da fantasia é poder passar essa mensagem num pacote mais divertido, que não parece estar fazendo uma pregação. E, ainda assim, a mensagem é transmitida e fica aparente. As melhores ficções científicas fazem isso.
Os filmes da Marvel acabam gerando muita discussão, seja pelo “whitewashing” (transformação de personagem não-branco em branco) em Doutor Estranho ou pela falta de bonecos dos personagens femininos em produções anteriores. Como recebe essas críticas? Certamente usamos para aprender e crescer. Desta vez, Nebula e Gamora vão estar bem representadas na linha de produtos. Nós focamos nos filmes, não sabíamos da questão dos produtos. James falou muito sobre o assunto da outra vez, e agora prestamos mais atenção a isso, para ter certeza de que todos os personagens do filme estejam representados – e eles estão. Então acho a discussão muito importante e provoca mudanças.
E Pantera Negra e Capitã Marvel são respostas a isso? Eles são personagens muito importantes nos quadrinhos. Então, sempre foram personagens que queríamos ver em filmes próprios. Mas acho que o momento é perfeito para eles. Sua importância é mais vital que nunca. Terminamos a filmagem de Pantera Negra agora, e acredito que as imagens do filme, quando forem divulgadas, vão ser impactantes e empolgantes. Porque são muito diferentes de todos os filmes que fizemos antes.
Por que sua importância é mais vital agora? Porque é importante ver não-brancos como heróis dos filmes, como tem acontecido nos quadrinhos há anos. Nosso diretor Ryan Coogler disse que era o seu sonho quando criança se ver representado na tela grande. Sou um homem branco e vi muitos homens brancos na tela e adorava isso quando estava crescendo. Acho que todo mundo merece isso. Toda criança quer ver o seu reflexo. Acredito que elas podem se ver refletidas independentemente da raça. E Ryan dizia todos os dias, depois de uma filmagem longa, que estava fazendo o filme para si mesmo, para quem ele foi aos 8 anos de idade.
O mundo está dividido. Teme algum tipo de reação negativa por colocar personagens não-brancos na tela? Eu temo tudo, em termos do que pode prejudicar o sucesso dos nossos longas, que os impeça de alcançar o maior público possível, mas, ao mesmo tempo, vai ser um grande filme, uma grande produção explosiva da Marvel. Odiaria saber que pessoas se recusam a assistir ao filme por causa da cor da pele dos personagens. Isso seria muito triste.
Com certa frequência, os vilões da Marvel não são tão interessantes quanto os heróis. Vocês estão tentando melhorar ou acham que estão na indústria de heróis? Definitivamente, estamos na indústria de heróis, não temos vergonha de dizer que eles são nosso principal foco nos filmes. Tendo dito isso, amamos nossos vilões e queremos que eles sejam tão eficazes quanto possível. Acho que o Kurt Russell faz um ótimo trabalho como Ego em Guardiões da Galáxia Vol. 2. As pessoas falam muito do Loki e puderam dar uma espiada em Cate Blanchett como Hela em Thor: Ragnarok. Temos Michael B. Jordan como Killmonger em Pantera Negra, um grande vilão, bem original. Thanos, de Vingadores: Guerra Infinita, é o maior de todos. Então quem ama os vilões vai ter bastante que amar nos nossos próximos filmes. Mas nossos filmes focam nos heróis.
Muito se fala sobre fadiga dos filmes de super-herói, ou baseados em quadrinhos, de que eles estão cansando. Como evitar isso? Fazendo o que sempre fizemos, ou seja, não achamos que estamos produzindo filmes de super-heróis ou “filmes de quadrinhos”, mas produções diversas e de gênero que têm suas raízes em narrativas ilustradas, mas que são muito diferentes e únicas. Guardiões da Galáxia Vol. 2 não tem nada a ver com Homem-Aranha: De Volta ao Lar, nem com Thor: Ragnarok, nem com Pantera Negra, ou Guerra Infinita. Todos são muito diferentes entre si e em relação aos filmes que fizemos antes. Ninguém ficaria fadigado antes de nós mesmos, porque respiramos esses filmes 24 horas por dia. Então toda decisão que tomamos é para nos manter empolgados, interessados e surpresos. Fazendo isso, achamos que o público vai sentir o mesmo.