Protagonistas surdos, enfim, conquistam prestígio em Hollywood
Aclamado no Festival de Sundance, 'No Ritmo do Coração' segue o sucesso dos ótimos 'O Som do Silêncio' e 'Um Lugar Silencioso'
Desde a edição de 2021 do Oscar, que teve entre seus indicados o belíssimo filme O Som do Silêncio, algumas produções vêm chamando a atenção por trazer, de forma respeitosa e livre de estereótipos, protagonistas surdos aos holofotes. No Ritmo do Coração, lançado no Brasil no final de setembro, é um exemplar dessa onda. A história acompanha a trajetória de Ruby (Emilia Jones), uma jovem que ama cantar, mas enfrenta uma barreira delicada para seguir este sonho: seus pais, vividos por Marlee Matlin e Troy Kotsur, e seu irmão mais velho, todos deficientes auditivos, são extremamente dependentes dela, a única na família que não é surda.
A ideia inicial de alguns financiadores para o longa, um remake do francês A Família Bélier, era dar a nomes famosos de Hollywood papéis de deficientes auditivos na produção. Isso só não aconteceu graças a insistência da atriz Marlee Matlin, surda desde os 18 meses de idade, que bateu o pé e disse que só participaria do filme se estes personagens fossem interpretados por atores e atrizes surdos na vida real. “Não consigo ver nenhum ator vestindo uma fantasia de surdo. Não somos mais fantasias para vestir. Estamos aqui e nossos talentos são válidos”, disse a atriz em entrevista ao USA Today.
Segundo uma pesquisa feita em 2019 pela Ruderman Family Foundation, instituição filantrópica privada que tem como um de seus objetivos promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho dos Estados Unidos, 55% dos participantes do estudo com 16 anos ou mais preferem retratos autênticos de atores e atrizes com deficiência nas telas. Apesar das recentes produções que contemplam a comunidade — e do número expressivo de consumidores mostrado no relatório —, Hollywood ainda parece ter dificuldade em inclui-la nas discussões sobre diversidade: grande parte dos estudos voltados para a produção audiovisual não lista pessoas com deficiência na indústria.
No Ritmo do Coração foi um dos grandes vencedores do Festival de Sundance deste ano, abocanhando os prêmios de direção, melhor ficção americana e o prêmio do júri. Seguindo a mesma linha de excelência, O Som do Silêncio, apesar de não ter vencido grandes categorias no Oscar, provou seu potencial ao apresentar para o público a história de Ruben Stone (Riz Ahmed), baterista de uma banda de heavy metal que precisa lidar com a perda de audição e seus problemas com drogas. Ambos os filmes trabalham com dimensões que vão além de apenas representar pessoas surdas, tocando em assuntos diversos como família, aceitação e superação.
Porém, um dos grandes trunfos desta produção atual é conduzir o espectador, através de uma exemplar edição de som, pela experiência sensorial de uma pessoa que percebe o mundo de outra forma. Em 2018, o filme Um Lugar Silencioso abriu as portas para esse modelo, ao criar uma realidade em que o silêncio deve imperar para que seus protagonistas sobrevivam a criaturas alienígenas que atacam movidos pelo barulho. O longa, que ganhou uma continuação em 2021, Um Lugar Silencioso – Parte II, traz no elenco a jovem atriz surda Millicent Simmonds, que interpreta a filha mais velha de John Krasinski e Emily Blunt. Ali, todos se comunicam pela língua de sinais — e Millicent brilha entre os veteranos. “É uma atriz poderosa, que carrega o filme nas costas”, disse Blunt em entrevista, elogiando a americana, hoje com 18 anos de idade.