As pinturas de Winston Churchill e sua valorização no mercado da arte
Uma obra que vai a leilão foi feita para afogar as mágoas políticas do líder e vale algo em torno de 3,4 milhões de dólares
Verdade seja dita: o primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) nem sempre venceu — e antes de pôr a Alemanha nazista de joelhos, antes de poder dizer a seus pares que “se Hitler invadisse o inferno, eu faria uma referência favorável ao diabo na Câmara dos Comuns”, ele perdeu muitas paradas. Derrotado, deprimido, debruçava-se entre dois hábitos que o ajudavam a esquecer as dores do mundo suportadas sobre os ombros: a bebida, preferencialmente champanhe Pol Roger e vinho do Porto Graham’s Six Grapes Old Vines, e as pinceladas. Churchill pintava telas a óleo como hobby, mas levou tão a sério a brincadeira que ela se tornou atividade para a qual dedicava amor semelhante ao que o alimentava nos discursos e conchavos. Foram cerca de 550 quadros, suposto atalho para treinamento de seus reputados poderes de observação, memória e acuidade visual. Um dos trabalhos, a Torre da Mesquita Koutoubia, de 1943, ganhou notoriedade nos últimos dias, a ponto de ter feito de Churchill um nome valorizado também do mercado de arte. A obra, uma serena paisagem de Marrakesh de tons pastel, será leiloada na Christie’s de Londres em 1º de março — a estimativa é que vá ao martelo por 3,4 milhões de dólares, mais do que uma outra paisagem do britânico vendida em 2014 por 2,8 milhões de dólares, O Viveiro de Peixes em Chartwell.
Há natural interesse e valorização por ser uma obra de Churchill, mas a Torre da Mesquita é ainda mais fascinante por sua trajetória peculiar, coisa de cinema. Ela foi pintada logo depois da Conferência de Casablanca, em janeiro de 1943, a partir da qual os Aliados desenharam a estratégia de “rendição total”, inegociável, dos países do Eixo. A cena, de 45 centímetros por 61 centímetros, foi dada de presente ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Em 2011, foi comprada de um galerista por Brad Pitt, que então vivia com Angelina Jolie — depois do divórcio, a peça ficou com ela. Agora, vendida, ajudará em campanhas beneficentes bancadas pela atriz. “É a única obra que Churchill pintou durante a guerra, talvez encorajado pelos avanços estratégicos resolvidos na conferência, e em um país que ele considerava um dos mais belos do mundo”, diz Nick Orchard, responsável pelo setor de arte moderna britânica da Christie’s.
Mas, afinal de contas, para além do evidente contorno histórico, há na tela, e nas outras de Churchill, real valor artístico? Sim, é o que dizem especialistas. Há pitadas de influência de Claude Monet e William Turner, talvez alguma coisa de Van Gogh, em evidente olhar impressionista. O retratista e historiador Oswald Birley (1880-1952), ao ver as telas do premiê, foi direto ao ponto, com algum exagero: “Se Churchill tivesse dedicado o tempo à arte que dedicou à política, teria sido, com certeza, o maior pintor do mundo”. É algo que, evidentemente, nunca se saberá — mas é inquestionável a superioridade dos traços de Churchill em relação aos desenhos de juventude de Adolf Hitler (cujo sonho na época era ser artista), aquarelas sem graça alguma, desprezíveis. Para o inglês, ainda que representasse diversão ou evasão da realidade, a arte tinha relevância, era fundamental — tão ou mais decisiva que seu apreço pelo idioma inglês perfeito (lembre-se que Churchill ganhou o Nobel de Literatura por seus escritos em torno da II Guerra). E, como tinha língua afiada e pena precisa, ele mesmo escreveu a respeito de seu interesse pelas artes plásticas, em um ensaio chamado Pintar como Passatempo, de 1915 (ele acabara de completar 40 anos): “A pintura é uma amiga que não faz exigências desmedidas, que não incita a buscas exaustivas, que mantém marcha constante ainda que a passos lentos, e que ergue sua tela como uma cortina entre nós e o olhar invejoso do tempo”.
Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725