“Sobreviver a dez facadas foi um milagre”, diz repórter da Globo
Gabriel Luiz, de 29 anos, quase morreu em um assalto em Brasília
Naquele 14 de abril, eu tinha brigado com minha melhor amiga e decidi sair para espairecer, encontrando outros amigos em um bar perto do meu apartamento em Brasília, no Distrito Federal. Eles quiseram estender a noite em uma balada, mas eu tenho alma de idoso e resolvi voltar para casa. Estava mais leve, feliz, fui cantarolando enquanto andava, até ser abordado por dois indivíduos. Só lembro de ouvir gritos como “Perdeu, perdeu!”. Eu luto krav maga, mas um deles me agarrou por trás, me enforcando com um mata-leão, enquanto o outro desferia dez golpes de faca no meu corpo. Senti que o assaltante queria me matar. Eu implorava para levarem tudo e irem embora. Os criminosos só fugiram quando um vizinho começou a gritar de longe. Ali, eu soube que tinha duas escolhas: ficar parado na rua ou pedir ajuda. Escolhi correr para meu prédio, em busca de socorro. Fui acolhido no hall e comecei a ver a quantidade assustadora de sangue, entendendo que a situação era realmente séria. Com sorte, o resgate foi rápido, mas eu só pensava: “Eu não vou morrer assim. Está fora de cogitação”.
Meus pais, um policial e uma professora, se separaram quando eu era criança. Minha mãe se casou com um diplomata francês, o que nos levou a morar na França, no Marrocos e depois em Natal, no Rio Grande do Norte. Eu sempre quis ser jornalista e voltei para o Distrito Federal, onde passei em comunicação social na Universidade de Brasília. Fui contratado como estagiário da Globo em 2014 e efetivado como repórter no ano seguinte. Curiosamente, minha mãe sempre teve medo de que eu sofresse algum tipo de violência nessa profissão ou que me envolvesse com política. Mas fui vítima de um acaso, apenas.
No hospital, só acordei após a cirurgia. Os médicos me disseram que fui atingido no pescoço, abdômen, tórax, perna, estômago, pulmão, pâncreas, diafragma, braço e punho. Perdi muito sangue, quase tiraram o meu baço, tive infecção. Fiquei 23 dias internado, os piores da minha vida, sem poder comer nada gorduroso, tomando muitos remédios e fazendo fisioterapia e acompanhamento terapêutico. Passaram-se alguns meses, mas ainda sofro de síndrome do pânico, tenho crises quando algum estranho se aproxima muito rápido de mim. Apesar disso, essa tragédia serviu como um catalisador positivo em minha vida. Eu queria me mudar daquele apartamento havia algum tempo e finalmente concretizei a ideia. Eu namorava a distância com o Lucas, ele é de Santa Catarina, mas agora estamos morando juntos em Brasília. Minha relação com meu pai melhorou muito. No trabalho, recebi o incentivo para apostar em reportagens especiais, como eu já vinha desejando. Hoje, não guardo mágoa dos criminosos, que foram presos logo após o assalto, mas espero que a Justiça seja cumprida. Eu poderia ter morrido e ainda sigo uma rotina de cuidados. Não gosto das cicatrizes físicas e emocionais. Minha revolta é porque sei que isso não deveria acontecer com ninguém, e por muito tempo serei obrigado a lidar com as consequências dessa tentativa de latrocínio.
Pensei em mudar de país, porque não quero permanecer em um ambiente em que as pessoas são violentas gratuitamente, e sei que sobreviver a dez facadas foi um milagre. Mas optei por permanecer em Brasília por causa da rede de apoio que criei aqui com familiares, amigos e colegas de trabalho. A terapia também me ajuda bastante a enfrentar o trauma e reconquistar segurança. Sempre fui uma pessoa alto-astral, então sou ainda mais feliz por continuar vivo. Não sinto que renasci, mas tenho mais consciência de quanto eu deixava muitas coisas para depois. Agora, quero viajar mais, trabalhar fazendo o que gosto e aproveitar melhor os momentos com quem amo.
Gabriel Luiz em depoimento dado a Kelly Miyashiro
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813