Eduarda Bittencourt, pernambucana, 31 anos, ex-estudante de medicina, coleciona muitas decepções no currículo amoroso. Sentia-se ignorada nas festas que frequentava — até dizia aos amigos que só mau hálito ou saia rasgada explicariam tamanho isolamento social. Quando finalmente encontrava um amor, era sempre alguém que não queria nada sério. Quatro anos atrás, Eduarda foi a um retiro espiritual no interior do Rio. Depois de semanas de meditação e silêncio absoluto, levantando-se às 4 da manhã e dormindo às 21 horas, atingiu o nirvana — que, para ela, é a música. Eduarda já compunha uma coisa ou outra, mas decidiu então que largaria o curso de medicina para investir em uma carreira no palco. Virou Duda Beat, nome artístico que junta o apelido de adolescência a uma homenagem ao manguebeat, movimento liderado pelo cantor Chico Science. “Sofrência pop” foi o nome que ela deu à mistura de reggae, pop, música eletrônica e brega presente em Sinto Muito, seu álbum de estreia, lançado em 2018 — no qual fala da frustração com namorados e ficantes.
O trabalho de Duda é uma coleção de desilusões amorosas, entoadas com o delicioso sotaque pernambucano. As letras falam de uma tristeza tão descabelada que chega a causar riso no ouvinte. “Nunca fui tão humilhada nessa vida por você, meu amor / A vida toda eu quis me dar inteira / Mas você queria só a metade”, diz Back to Bad. “Muitas pessoas me mandam mensagem dizendo que o disco fez bem a elas”, conta a musa da sofrência. O sucesso foi tanto que rendeu um convite de Ivete Sangalo para participar de uma apresentação no Recife, em fevereiro, e no trio elétrico, na fervura do Carnaval baiano. “Duda tem voz e conteúdo musical de muita personalidade”, derrete-se Ivete. A pernambucana gostou da ajeitada que a baiana lhe deu: “Cheguei toda desarrumada no trio. Ivete arrumou meu cabelo e colocou até cílios postiços em mim”.
A sofrência de Duda Beat bebe na fonte do popular romântico dos anos 70, comumente chamado de brega. Sua tristeza sem pudor já foi comum também entre duplas sertanejas dos anos 70, mas acabou abandonada pela música de balada do chamado sertanejo universitário. Coube às atuais musas sertanejas Marília Mendonça e Maiara & Maraisa a missão de recuperar a fossa e a desilusão amorosa no reino da bota e do chapelão. Hoje em dia, praticamente toda dupla tem seu quinhão de sofrência. Matheus & Kauan, por exemplo, lançaram o álbum Tem Moda pra Tudo, em que boa parte das canções deságua em choro e cerveja. João Gustavo & Murilo cantam as desavenças domésticas no sucesso Lençol Dobrado.
Entre as dores ostensivas da cantora pernambucana e o sofrimento que se consola na balada do sertanejo, o paulista João Vitor Romania Balbino, de 24 anos, parece ter encontrado um meio-termo. Jão, como ele se apresenta no meio artístico, usa elementos do pop sertanejo para criar um som dançante e com letras sofridas. “Bem que minha mãe me avisou / Que eu ia conhecer o amor / E deixaria ele ir embora”, lamenta em Morrer Sozinho. “Os personagens das minhas canções sempre se ferram porque eu também me ferro”, diz ele, que canta para um público que se identifica demais com suas letras. “Eles pedem conselhos, mas nem sei se sou a pessoa ideal para dá-los”, brinca. Jão começou como celebridade do YouTube, fazendo releituras de canções de astros pop. O sertanejo entrou na sua música graças a suas raízes interioranas — ele é de Américo Brasiliense, no Estado de São Paulo. O gênero não era popular em seus tempos de faculdade — ele ainda não terminou o curso de publicidade —, mas Jão sente que isso mudou nos últimos cinco ou seis anos. “Nas festas a que eu ia, o gênero era hostilizado. Hoje ele está presente em 80% das baladas universitárias.” Lobos, disco de estreia de Jão, é um híbrido entre o sertanejo moderno e o pop internacional. Foi lançado nas plataformas virtuais em agosto de 2018. A boa resposta dos fãs permitiu o lançamento em CD, em dezembro.
Duda atualmente está em um relacionamento feliz. Jão está solteiro. Mas ambos parecem acreditar que a geração a que pertencem sofre mais que as anteriores. Eles até arriscam teorizar a respeito. Jão acha que os jovens se dedicam tanto ao mundo virtual que já não conseguem se adaptar aos relacionamentos reais. Duda culpa a era dos “relacionamentos fluidos”, na qual sua personalidade romântica não encontra lugar. “No fundo, a gente quer ter um sovaco onde se apoiar”, diz. Mas a dor dramática, no seu caso, vem de família. Morando no Rio, Duda conta que, quando encerra suas visitas à família no Recife, seu pai sempre cai na choradeira a caminho do aeroporto: “Digo até que ele tem de trabalhar como ator na Paixão de Cristo em Nova Jerusalém”. É o DNA da sofrência.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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