Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

“Sonho com a minha liberdade”, diz o autor Manoel Carlos

Isolado em casa, o escritor de novelas, de 88 anos, conta como tem lidado com suas angústias e medos

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 13h17 - Publicado em 12 mar 2021, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Por mais que a gente se empenhe em ser criativo, a realidade consegue ser ainda mais surpreendente do que a ficção. Confesso que a essa altura da vida, depois de ter atravessado tantos altos e baixos, com grandes sucessos na TV e perdas irreparáveis na vida pessoal, jamais imaginei que fosse experimentar um medo que nunca havia sentido antes. Pois a pandemia me trouxe um temor constante do desconhecido e me impôs uma rotina regrada e privada de gente ao redor. Há exatamente um ano não ponho os pés na rua e passo os dias isolado, beirando a neurose. Sigo à risca a cartilha antivírus. Fora a minha mulher (Elisabety, com quem está casado há 43 anos), todas as pessoas com quem precisei ter contato em casa neste período entraram totalmente cobertas: macacão esterilizado, proteção para o sapato, luva, máscara, face shield. A única exceção em meio ao exílio forçado aconteceu recentemente, quando chegou minha vez de ser vacinado e fui ao posto de saúde. Minha sensação e a dos outros que ali estavam era de ganhar a Copa do Mundo.

    Diante dessa loucura, o meu ofício vem sendo uma valiosa válvula de escape. É, na verdade, o que me ajuda a ficar são. Não há qualquer pressão da Rede Globo, com quem tenho contrato até o segundo semestre de 2021, mas continuo escrevendo. Embora duas novelas minhas estejam sendo reprisadas (Laços de Família e Mulheres Apaixonadas), não vou mais fazer o gênero. É preciso ser um atleta para aguentar a maratona de criar um folhetim. Superei essa fase, mas a cabeça segue a mil por hora, e é aí que reside o combustível para enfrentar esses momentos praticamente sem contato humano. Venho pincelando uma sequência para a minissérie Presença de Anita e esboçando um projeto que resgata o formato do teleteatro. Ainda estou debruçado sobre minha autobiografia, que mescla fatos marcantes dos meus 70 anos de TV — mesmo tempo em que o veículo está no ar no Brasil — e da minha trajetória pessoal. Não há como deixar de tocar na morte de três dos meus cinco filhos. É uma dor pungente, que não tem consolo e que me acompanha diariamente. Não perdi ninguém próximo na pandemia. Vi, porém, o sofrimento descomunal de vários conhecidos que experimentaram essa dor, e a reconheço.

    Não é fácil manter-se longe dos filhos, netos, amigos e não ver a rua nem o mundo a que estamos acostumados. Na adolescência, cheguei a ficar meses recluso em um internato, mas nunca tinha passado um período tão longo em isolamento. A gangorra de emoções, ora em cima, ora embaixo, é inevitável. Tem instantes em que aflora uma grande esperança, em outros você acaba empurrado para o pessimismo. Tento me fixar no horizonte pós-coronavírus, em uma equação que envolve sensações variadas diante do noticiário. Particularmente me indigna o atraso na vacinação e o descaso de quem insiste em pôr tudo a perder promovendo festas, sem considerar o bem-estar coletivo.

    Aos 88 anos, é inevitável não me revoltar com o fato de o tempo que me resta estar sendo sugado por uma pandemia. Claro que gostaria de estar fazendo 30 anos de idade, mas me atenho ao terreno do possível e encontro nele desejos mais modestos, porém prazerosos. Quero de novo uma vida na qual possa fazer planos. Adoraria festejar o Natal, o réveillon e ter uma festa de aniversário cercado de minhas filhas, meus netos e de bons amigos. Todo mundo sabe que sou um apaixonado pelo Leblon, o bairro no Rio de Janeiro onde moro e que tanto retratei em minhas novelas. Não vejo a hora de poder caminhar por suas calçadas, observar as pessoas indo e vindo, sentar em uma livraria para tomar um café, nada muito complicado. Em poucas palavras, sonho com a minha liberdade de volta.

    Continua após a publicidade

    Manoel Carlos em depoimento dado a Sofia Cerqueira

    Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.