O famoso sorriso da Mona Lisa ganha uma nova dimensão quando observado pelos critérios técnicos do engenheiro Pascal Cotte. Por mais de uma década, o francês despiu (ops) a obra mais celebrada de Leonardo da Vinci com uma câmera multiespectral. Ao isolar digitalmente camadas de verniz, o aparelho revelou detalhes como os traços do que seriam suas sobrancelhas e suas possíveis cores originais — de tonalidade mais azul que a do quadro ocre em exposição no Museu do Louvre, em Paris. A ferramenta tecnológica acrescentou mais um conto à fieira de mistérios que sempre cercaram aquele inefável sorriso: ao que parece, a mulher da pintura originalmente franzia os lábios de modo mais enfático.
Desde o dia 2 de novembro, a contraposição do quadro a essas imagens reveladoras é um belo atrativo da mostra imersiva Leonardo da Vinci — 500 Anos de um Gênio, em cartaz no MIS Experience, em São Paulo. Com investimento de 8,5 milhões de reais, a exposição de origem australiana, montada em um galpão de 2 000 metros quadrados, ainda apresenta réplicas de máquinas inventadas por Da Vinci em tamanho real, além de telas táteis interativas. Mas o clímax se dá em uma sala com 34 telões de alta resolução, nos quais imagens em movimento reproduzem obras de Da Vinci ao som de música barroca e cantos gregorianos. As projeções só dividem as atenções com os famigerados smartphones: vídeos e fotos validam a visita ao ser compartilhados nas redes sociais. Em pouco mais de dois meses, a mostra soma quase 270 000 visitantes.
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Embalada para oferecer informação, experiência e, claro, cenários para selfies, a exposição do MIS, que fica no país até 1º de março, é exemplo notável da busca de adaptação dos museus ao gosto dos novos tempos. Hoje, a tecnologia impõe-se como aliada na missão de atrair mais gente para a apreciação da arte. As chamadas “exposições imersivas” são a ponta de lança desse processo. Surgidas na Europa nos anos 80 e disseminadas no Brasil a partir da pioneira mostra 50 Anos de TV e +, realizada em São Paulo no ano 2000, elas foram por muito tempo uma exceção no circuito dos grandes museus, que torciam o nariz ao seu apelo popular. Agora, o jogo se inverteu. A imersão virou mainstream — em outras palavras, um recurso que ninguém dispensa. E por um bom motivo: ela ajuda a levar aos museus um público arredio à monotonia das exposições tradicionais.
Uma prova eloquente de sua onipresença: o próprio Louvre, que recebe 10 milhões de visitantes por ano, percebeu a importância de se reciclar com o auxílio da tecnologia. Na mostra espetacular dos 500 anos de Da Vinci inaugurada em outubro pela instituição parisiense, trabalhos originais do pintor convivem com a mundana realidade virtual: no final do percurso, há filas e filas pela chance de fazer uma viagem pelo cenário da Mona Lisa com óculos 3D. “A cultura se tornou imersiva. Não é opção, é necessidade. O vocabulário sensorial está ampliado. Se antes uma pessoa se contentava com uma TV de tubo, hoje ela quer uma 4K”, analisa o curador Marcello Dantas, um dos primeiros a aliar arte e tecnologia no Brasil.
As novas táticas dos museus incluem não apenas a imersão: passam pela readequação do espaço para atender às suscetibilidades politicamente corretas e facilitar a produção das imagens para o Instagram, como ocorre na versão reformulada do MoMA nova-iorquino. O uso de hologramas é outra fronteira explorada. O Museu do Holocausto de Illinois, na pequena cidade americana de Skokie, de 65 000 habitantes, tem atraído o dobro de sua população em visitantes por ano ostentando como trunfo hologramas interativos que imortalizam os testemunhos de sobreviventes dos campos de concentração. Mais que ser um chamariz, a tecnologia permite democratizar o acesso à arte. “Mostras imersivas são uma ótima maneira de viajar com obras sem de fato ver as obras físicas”, diz o diretor-geral do MIS, Marcos Mendonça. A tecnologia, em suma, traz o sorriso da Mona Lisa ao alcance das massas.
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671
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