ÀS VEZES, quando Julia Roberts está em uma cena de tensão ou de emoção, duas veias saltam na sua testa. Elas sempre estiveram lá mas, é claro, aparecem um pouco mais com a idade — e porque a atriz de 51 anos conservados com muita naturalidade tem explorado emoções complicadas com frequência e intensidade inéditas. Seus dois trabalhos mais recentes são uma culminação dessa mudança: Sam Esmail, o criador de Mr. Robot, apostou as suas fichas na ideia de que, na série Homecoming, Julia saberia como nenhuma outra atriz se pôr a serviço de uma personagem que se trai e é traída justamente pelo impulso de agradar. É visível quão estimulante foi, para ela, a experiência de enveredar pelo clima paranoico e inseguro que é a marca do criador — e quão bem retribuiu a confiança, levando a protagonista da ingenuidade ao desencanto de forma autêntica. Agora, em O Retorno de Ben (Ben Is Back, Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país, Julia tira partido de outro traço comum em suas personagens — a fibra — para mostrar o verso e o reverso dele: Holly, a mãe do viciado Ben (Lucas Hedges, de Manchester à Beira-Mar), pode tanto unir de vez quanto destruir toda a sua família com sua vontade férrea, quase irracional, de salvar o filho de si mesmo.
Embora o filme seja dirigido por Peter Hedges, pai de Lucas, é em torno da mãe que ele gira. Durante 24 horas, desde o momento em que Ben foge da clínica de reabilitação para passar o Natal em casa, Holly fura uma onda interminável de desespero. Seu marido (Courtney B. Vance), sua filha adolescente (Kathryn Newton) e ela mesma têm medo de Ben — está implícito que ele já os fez caminhar por vários círculos do inferno antes. Os dois filhos menores, porém, adoram o rapaz, e Holly se vale disso para forçar uma espécie de indulto de Natal para Ben, que jura estar determinado a se manter limpo, submete-se a um teste de urina e concorda com a supervisão ininterrupta da mãe. Mas, como qualquer dependente grave que ainda não tenha desistido de mais uma dose, Ben mente e manipula com habilidade notável. O simples fato de ele estar de volta, aliás, deflagra acontecimentos que o levarão — sempre na companhia inamovível de Holly — por uma incursão cada vez mais profunda na sua velha vida. Pelos 103 minutos de filme, aquelas duas veias na testa de Julia não têm sossego.
O esboço dessa nova etapa começou um bom tempo atrás, quando Julia ainda era a estrela número 1, posto a que foi alçada em 1990, por Uma Linda Mulher. Mas demorou a frutificar: pelas duas décadas seguintes, o que Hollywood realmente queria dela eram o brilho espontâneo, a jovialidade, o sorriso, o carisma acessível, a facilidade para carregar comédias românticas e fazê-las estourar na bilheteria. Julia teve de se empenhar com paciência, e com resistência ao menosprezo, para converter o cacife da juventude em boas chances na maturidade — que começaram a vir mais amiúde, afinal, com Álbum de Família (2013), The Normal Heart (2014), Olhos da Justiça (2015) e Jogo do Dinheiro (2016). Quase sempre, nesses casos, o que se foi trabalha contra o que se quer ser (basta lembrar como definhou a carreira de Meg Ryan, Kim Basinger e tantas outras). Julia Roberts, porém, acaba de tornar oficial: está de vida nova.
Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627
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