“Vou vencer a doença”, afirma Claudia Rodrigues
Portadora de esclerose múltipla, a humorista de 50 anos fala de sua luta pela vida
Passei três vezes pela situação de estar internada e receber a visita de um padre para me dar a extrema-unção. Numa delas, vivi o que muita gente chama de experiência de quase morte, em que a pessoa tem a sensação de se ver fora do próprio corpo. Lidar com a ideia da finitude tão de perto é uma lição que venho aprendendo há vinte anos, quando fui diagnosticada com esclerose múltipla, uma doença neurológica autoimune e degenerativa. Minha vida mudou completamente. Hoje, faço fisioterapia, fonoaudióloga, musculação e hidroginástica por quatro horas todos os dias, além de tomar nove remédios para conter a evolução da doença. Nem sempre funciona. Em novembro, na última internação, os neurologistas identificaram duas novas lesões no cerebelo, exatamente nas regiões que controlam a fala e a coordenação motora. Não devia estar andando nem falando, mas surpreendi a todos. Apesar das dificuldades, estou muito melhor do que se esperava. Os médicos não sabem explicar como meus exames mostram um quadro tão pior do que eu de fato manifesto. Já me disseram: “Você é um milagre da medicina”.
A primeira vez que percebi algo estranho acontecendo comigo foi em cima do palco, em 2000. Estava em cartaz com a peça Os Monólogos da Vagina, em São Paulo, quando senti meu braço dormente. Era como se ele estivesse amolecendo e não havia nada que eu pudesse fazer para enrijecê-lo. Fui levada ao hospital, fizeram um monte de exames e lá recebi o diagnóstico. Pedi à equipe médica que não comentasse sobre meu estado clínico com ninguém. Fiquei seis anos sem tocar no assunto e trabalhei sem parar em humorísticos e novelas, como A Diarista, Sai de Baixo, Casseta & Planeta, Kubanacan, Zorra Total. Nessa época, fazia todo mundo rir, mas vivia minha primeira crise de depressão. Me perguntam por que demorei tanto para falar publicamente sobre a doença. A verdade é que tinha medo de perder trabalhos. Até outro dia, ninguém sabia muito sobre a esclerose múltipla, apenas que era devastadora e, quando não matava depressa, deixava sequelas irreversíveis. Decidi então trabalhar até não conseguir mais para garantir um futuro para minha filha, que nasceu depois do meu diagnóstico, e deixar um legado no humor.
Desde que estreei na televisão, em 1996, emendava projetos. Por mais de dez anos, trabalhava das 9h às 21h. Estava no auge quando tive uma série de surtos de esquecimento de texto e decidiram me afastar de A Diarista. Eu era a protagonista do programa, que foi cancelado de repente. Em 2015, acabei sendo demitida da Globo (que a recontratou três anos mais tarde após decisão judicial). Sem propósito, caí em depressão outra vez e tentei o suicídio. Achei que minha vida tinha terminado. Moro na cobertura, no 20º andar, e cheguei a tirar a rede de proteção da piscina para pular. Antes, decidi ligar para minha empresária, responsável por me fazer iniciar o tratamento, e ela me convenceu a não cometer essa loucura. No mesmo ano, fiz um transplante de medula óssea e isso deu fim às crises de fadiga que às vezes me impediam de levantar da cama. Muita gente com esclerose múltipla desiste do tratamento, porque ele é de resultado incerto e lento. Sei que estou desafiando a medicina. Já me livrei da cadeira de rodas, das muletas e, em breve, poderei me equilibrar sem o auxílio do andador. Em casa, crio personagens e ensaio meus textos diariamente. Tenho limitações, claro, mas me sinto forte para voltar a atuar. Sentada, consigo fazer tudo, inclusive comédia. No meu aniversário de 50 anos, em junho, me impus o desafio de estrelar uma live. Fiquei três horas falando sobre a minha história e conversando com fãs. Estar com o público é a minha vida. E luto o tempo todo por ela.
Claudia Rodrigues em depoimento dado a Jana Sampaio
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722