A fila de pelo menos 3,4 milhões de pedidos de benefícios que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) acumulou até o fim de janeiro fez relembrar os piores momentos do serviço público brasileiro. Idosos em geral, viúvas, pessoas com necessidades especiais e acidentados se multiplicavam na semana passada nas agências do órgão, enquanto pilhas de documentos lotavam as mesas dos servidores. As pessoas precisam se aventurar pela via digital, que, a princípio, deveria ser rápida, mas acabam mergulhando num purgatório virtual. O cenário é devastador: não, simplesmente não há recursos — humanos e tecnológicos — suficientes para analisar aposentadorias, pensões e outros benefícios sociais a cargo do INSS.
Sete mil funcionários aposentados em 2019, falhas frequentes no sistema e uma digitalização mal planejada levaram inicialmente a propostas mirabolantes, como a convocação de 7 000 militares da reserva — repetindo: militares da reserva — para dar conta do serviço. Ao perceber que a ideia não resolveria a questão, o governo decidiu que cerca de 1 500 servidores aposentados devem ser recontratados em caráter temporal. O caos custou o emprego de Renato Vieira, que presidia o instituto desde janeiro de 2019. Demitido na terça-feira 28, ele foi substituído por Leonardo Rolim, que estava na secretaria de Previdência. O novo titular do INSS assumiu com a promessa de resolver em meses um problema que é estrutural.
O instituto admite que o sistema usado para a concessão dos benefícios não foi atualizado corretamente tendo em vista as novas regras da aposentadoria, que começaram a valer em novembro do ano passado. Rogério Marinho, secretário de Previdência, diz que a previsão é que a falha seja resolvida em março. Analistas do INSS ouvidos por VEJA explicaram que a trava atrapalha até a análise de pedidos de benefícios de fácil solução. Segundo o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a média de novos processos para a liberação de benefícios que deram entrada no órgão em 2019 foi de 750 000 por mês. É esse cálculo que conduz à soma de aproximadamente 3,4 milhões de benefícios aguardando resposta e sem data para ser concluídos — número muito superior ao divulgado pelo INSS, que está na casa de 1,3 milhão. O destravamento vem ocorrendo a passos lentos. Aposentadorias rurais, pensões, salário-maternidade, auxílio-reclusão e auxílio-doença estão sendo concedidos aos poucos. As aposentadorias regulares seguem sem solução.
O nó no plano tecnológico, entretanto, começou a se armar antes da festejada reforma da Previdência. Em 2018, entrou em funcionamento o sistema batizado de Meu INSS. Com ele, toda a fila de atendimento, que era física e dividida por tipo de benefício, passou a integrar uma central única e os processos se tornaram digitais. Alguns, como a aposentadoria por idade, começaram a ser concedidos de forma automática pelo Meu INSS. A questão é que, no caso de alguma divergência, a análise tem de ser manual — o que sobrecarrega o agora enxuto quadro de servidores do órgão. Além da burocracia, funcionários argumentam que os equipamentos do instituto não suportam os sistemas de análise. “Foi jogado tudo em um ambiente digital sem pensar como esse sistema funcionaria”, observa Pedro Totti, presidente do sindicato que representa os trabalhadores do INSS em São Paulo.
Todo o problema de infraestrutura e de mão de obra, claro, ganhou repercussões políticas. Não há dúvida de que o modelo implantado não funcionou da maneira como deveria. E que as filas, de fato, prejudicaram cidadãos que precisam desse dinheiro para o sustento de suas necessidades mais básicas. Mas os funcionários do instituto, e seus sindicatos, estão se aproveitando dessa falha para defender a tese de que o governo deve tomar medidas a fim de reforçar a estrutura do órgão, como a realização de novos concursos públicos — algo que a equipe econômica, de forma acertada, é contra.
A ideia de Paulo Guedes é aproveitar o intenso número de aposentadorias dos servidores nos próximos anos para desinchar o Estado, muito ineficiente e extremamente oneroso aos contribuintes brasileiros. E a verdade é que existe uma janela de oportunidade nessa área. Calcula-se que até 50% dos funcionários públicos saiam da ativa em quatro anos. A questão é que esse projeto só vai funcionar a contento se a digitalização dos processos — aposentadorias incluídas — for implementada de maneira bem-sucedida antes disso. Caso contrário, outros apagões poderão acontecer. Espera-se que o governo, que caminha na direção correta em relação à reforma administrativa, aprenda essa lição.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672