A debandada de montadoras das tradicionais exposições de automóveis
Garantia do retorno sobre o investimento é um dos problemas identificados nesse tipo de evento
Embora a indústria brasileira tenha demonstrado algum otimismo após o registro do terceiro ano seguido de alta no emplacamento de veículos no país, uma novidade inconveniente disparou um sinal de alerta no setor: a decisão de pelo menos uma dezena de grandes montadoras de não participar do Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, marcado para novembro próximo. Entre as que já anunciaram a ausência (ou ainda avaliam a participação), destacam-se a General Motors, fabricante do Onix, o carro mais popular do Brasil, a Toyota, que produz o modelo mais vendido no mundo, o Corolla, e algumas marcas de luxo como BMW, Audi, Jaguar e Land Rover — todas elas alvo da atenção de boa parte dos mais de 740 000 presentes à última edição do salão, realizada em 2018. Antes que alguém acuse os organizadores do evento paulista de incompetência, cabe uma ponderação: a crise das feiras de automóveis é um fenômeno global.
As fabricantes de veículos estão deixando de ver valor nessa tradicional vitrine da indústria. Na Alemanha, sede do maior conglomerado do mundo, o grupo Volkswagen, a próxima edição do Salão de Frankfurt está ameaçada. O Salão de Detroit, realizado no local que um dia ostentou o apelido de “Cidade do Motor”, dada a concentração de fabricantes, anunciou que neste ano sua edição, tradicionalmente realizada em janeiro, será adiada para junho, durante o verão americano. Mesmo assim, não é garantida a presença das grandes marcas. A decisão de alterar a data foi tomada para evitar a concorrência de outra feira, a Consumer Electronics Show (CES), voltada à tecnologia e realizada nas primeiras semanas do ano, em Las Vegas.
Um problema identificado no formato atual dos salões diz respeito à garantia do retorno sobre o investimento nesse tipo de evento. Em São Paulo, o custo do metro quadrado para instalar um estande no salão pode superar os 1 000 reais. “Para cada real que eu gasto na compra do espaço, preciso de outros 3 para montar a estrutura e fazer a ativação comercial”, diz o responsável pelo marketing de uma grande marca. Considerando-se os diferentes tamanhos dos estandes, a conta fica entre 5 milhões e 20 milhões de reais por montadora. Entretanto, mesmo com um investimento tão alto, não existe nenhum parâmetro que permita avaliar a capacidade de gerar vendas. “É melhor fazer um evento menor, exclusivo, em que eu não tenha a concorrência de outras marcas e consiga falar diretamente com meus clientes”, declarou outro porta-voz.
Mais do que exibir um carro possante ao lado de uma bela modelo — sim, as montadoras também estão preocupadas com críticas de sexismo —, a estratégia agora é atrair potenciais compradores com mimos exclusivos. Marcas voltadas ao mercado off-road, por exemplo, oferecem desde provas de rali até viagens a cenários paradisíacos do Brasil. Outras, do segmento esportivo, convidam para testes em autódromos. Com seus estandes, luzes e aglomerações, os salões se tornaram anacrônicos diante de uma realidade em que o próprio futuro do negócio automotivo está em uma encruzilhada, seja pelo acelerado desenvolvimento de modelos elétricos, seja pelos serviços de compartilhamento de veículos no lugar da venda dos modelos em si.
Em meio a tantas dúvidas, executivos do setor costumam seguir referências de inovação. Nesse sentido, poucos personagens ganham as atenções recebidas pelo empresário Elon Musk, fundador da Tesla, companhia de carros elétricos vista como o futuro do setor automotivo. Capaz de produzir apenas um décimo dos veículos fabricados por colossos como Ford e GM, ela já vale mais que os dois gigantes americanos. No que depender de Musk, os salões estão perdidos: há quatro anos, o empresário deixou de apresentar seus modelos em Detroit. Hoje ele lança seus carros em eventos bombásticos divulgados mundo afora pela internet. As mudanças na indústria automobilística mundial estão cada vez mais aceleradas.
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674