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‘A preservação virá do campo’

O agronegócio brasileiro, ao contrário do que se proclama, é referência no aumento da produtividade aliada à defesa do meio ambiente

Por Paulo Herrmann*
Atualizado em 4 jun 2024, 13h55 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00
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  • A discussão sobre preservação do meio ambiente e redução dos impactos climáticos passa por uma importante aliada: a agricultura. Em um primeiro olhar, para o público em geral, pode parecer uma colocação sem fundamento, mas diversas evidências sustentam que, no contexto agrícola, produzir e preservar é uma realidade possível, especialmente no Brasil. A agricultura, afinal, é a grande vocação econômica brasileira, responsável por mais de 21% do PIB. E isso não é uma projeção para o futuro. Nós já somos protagonistas: os principais produtores e exportadores de laranja, açúcar, café, soja, milho e proteína animal. Fazemos isso preservando mais de 60% do território nacional, em um cenário que não tem paralelo no mundo.

    Tal posição no mercado internacional é extremamente estratégica. Estima-se que a demanda mundial por alimentos precisa aumentar 70%, até 2050, para atender uma população de 10 bilhões de pessoas, e os países que mais crescem atualmente, a China e a Índia, têm uma economia voltada para a indústria e serviços, com pouco espaço para a agropecuária. Temos uma perfeita combinação entre demanda e potencial para suprir essa necessidade.

    Isso não significa, de forma alguma, que precisamos aumentar a nossa área de produção para dar conta dessa demanda. Ao longo dos últimos quarenta anos, tivemos o que muitos consideram uma verdadeira revolução no campo. No início, havia dificuldade para encontrar solos aptos para a produção, pois na região tropical eles são ácidos, ricos em alumínio tóxico e pobres em nutrientes. Antes da década de 70, o país não conseguia manejar seus recursos naturais, e a produção e a produtividade eram baixas, concentradas nas regiões Sul e Sudeste. Havia crises de abastecimento, elevada pobreza rural e praticamente não existia conhecimento disponível sobre agricultura tropical nem políticas públicas adequadas. O resultado era um país conhecido apenas como produtor de café e açúcar. Mesmo com território enorme, éramos importadores de alimentos. Felizmente, essa realidade mudou.

    Por meio da Embrapa e de parcerias com universidades, instituições de ciência e tecnologia e empresas privadas, o Brasil desenvolveu uma agricultura avançada, baseada em ciência, apoiada em três grandes frentes: a nossa capacidade de transformar solos ácidos em solos férteis, de tropicalizar a produção e de desenvolver uma inédita plataforma de práticas sustentáveis. Desde então, enquanto a produção agrícola cresceu mais de 500%, a área reservada ao cultivo aumentou não mais que 70%. Ou seja: estamos produzindo muito mais por hectare.

    “Os habitantes do planeta terão mais qualidade de vida em decorrência do que acontece no Brasil”

    Com todos esses avanços, hoje dedicamos apenas 30% do território nacional à agropecuária, enquanto 66% das terras são preservadas. Também temos uma legislação que favorece a preservação: o Código Florestal estabelece que os produtores mantenham intocados de 20% a 80% de suas terras, dependendo da região do país. Como comparação, os Estados Unidos, com sua intensa exportação de alimentos, têm 74% de sua área dedicada à agricultura, pastagens e operações florestais, enquanto a preservação chega a 20%.

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    Somos, portanto, referência em produtividade e preservação. Indo mais além: somos o país que mais preserva o meio ambiente. Claro que, nem por isso, os crescentes dados de desmatamento deixam de ser alarmantes. Mas a ilegalidade é exceção, e não regra, e precisa ser enquadrada com o rigor da lei, tanto por prejudicar os patrimônios naturais como por manchar a imagem de um setor tão significativo para a economia do Brasil.

    O fato é que o campo se tornou um grande polo de inovação, o que desfaz o estereótipo de ser um local atrasado e com falta de oportunidades. Inclusive, algumas atividades carecem justamente de talentos capacitados para lidar com uma tecnologia em constante evolução. Há, claro, muito que avançar para atender a essa crescente demanda por inovação, principalmente no que se refere à disponibilidade de conectividade para o setor agrícola, mas esse é um assunto que vem sendo tratado com atenção.

    Se parte das soluções envolve tecnologia de ponta, conectividade e até inteligência artificial, outra parte remete justamente ao desenvolvimento de práticas mais sustentáveis. Estou me referindo à Integração Lavoura-­Pecuária-Floresta (ILPF), uma oportunidade sem precedente para seguir aumentando a produtividade, ao passo que cuidamos dos nossos maiores patrimônios naturais.

    Ao ter, em uma mesma área, as três modalidades de cultivo, o sistema ILPF otimiza o uso do solo, melhora a fertilidade, aumenta a produtividade, permite diversificar as atividades econômicas na propriedade (com grãos, fibras, carne, leite e energia simultaneamente, por exemplo) e minimiza os riscos para o produtor. Do ponto de vista ecológico, o ILPF enriquece a biodiversidade local, recupera áreas de pastagem degradadas e proporciona o sequestro de carbono, o que ajuda a mitigar a emissão de gases geradores de efeito estufa.

    Especialistas do setor agropecuário de todo o mundo observam com grande entusiasmo o aumento da adoção do ILPF no Brasil. Parte do Acordo de Paris, o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, firmado em 2009, estipulava o aumento em 4 milhões de hectares da área com ILPF em todo o país até 2020. A meta foi atingida muito antes do prazo: alcançamos 15 milhões de hectares integrados e agora buscamos dobrar até 2030.

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    Os dados são promissores, mas não podemos negar que ainda existam grandes questões a ser enfrentadas. A pandemia do novo coronavírus lançou desafios para a população. As empresas precisaram se adaptar da noite para o dia para viabilizar o trabalho remoto. É um novo momento, triste pelas vidas perdidas, mas também uma oportunidade. Mais do que nunca, a essencial produção agrícola demonstrou sua importância para a sociedade. Fomos capazes de seguir cumprindo a missão de alimentar o mundo mesmo com parte da economia paralisada. Não faltaram alimentos nas prateleiras dos mercados.

    O agronegócio continua aumentando a capacidade produtiva à medida que avança em práticas ambientais. Produzir e preservar não são atividades opostas. Muito pelo contrário: com o conhecimento e os meios necessários, são complementares, e o Brasil tem condições de progredir cada vez mais na próxima década. Nossa estrutura de ciência e inovação produziu em curto prazo uma revolução de nível mundial inédita no campo, além de produtores rurais empreendedores e inovadores. Por isso precisamos valorizar nossa produção, investir mais e melhorar a imagem do país no cenário internacional.

    A revolução do campo não para, e os futuros habitantes deste planeta terão ainda mais qualidade de vida e segurança alimentar por causa do que acontece no Brasil.

    * Paulo Herrmann é presidente da John Deere Brasil

    Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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