Na última quarta-feira, o Banco Central subiu pela primeira vez em quase seis anos a taxa de juros básica da economia. Não foi uma alta pequena, de 0,25 ponto percentual (pp), nem de 0,5 pp, como esperavam os analistas do mercado, mas de 0,75 pp. A decisão tomada pelo BC foi para cumprir um de seus papéis principais, que é ser o guardião da moeda do país.
Sozinha a Selic não conseguirá, porém, segurar a alta de preços dos alimentos e dos combustíveis, que pesam no bolso do consumidor. E, ainda, trará efeitos colaterais prejudiciais à economia. Um deles é o encarecimento da dívida pública, já que os juros estão mais alto. Em um momento de contas tão combalidas, é uma variável a se prestar atenção.
O último boletim Focus apontou que a inflação do país bateu 4,60%. Este número ultrapassa a meta de 3,75% e se aproxima do teto da meta, de 5,25% e o próprio governo já assume um pico inflacionário de 7% em meados desse ano, com a inflação fechando em 4,4%. O peso nos preços do país, no entanto, se deve muito mais à alta do câmbio e ao preço das commodities no mercado internacional do que ao aquecimento da demanda da população. Subir a taxa de juros ajuda a frear o consumo, mas quando ele já caminha a passos lentos, muito acreditam que é preciso pensar nos outros efeitos.
“Aumentar a taxa de juros não vai resolver nada, o que resolve é melhorar capacidade da indústria brasileira de fabricar uma série de coisas. Isso diminuiria a dependência da importação de insumos, que encarece os preços ao consumidor brasileiro”, diz Paulo Roberto Feldman, professor de Economia da USP. “Subir os juros desestimula o empresário a investir justamente agora que o país precisa estimular o emprego”, diz ele.
Além de prejudicar a tomada de crédito e a intenção de compra, uma Selic mais alta encarece o custo da dívida pública para o país. Isso aconteceu em 2015, por exemplo, quando os juros estavam em 14,25%. Na desastrosa gestão econômica do governo de Dilma Rousseff, o Tesouro Direto pagou meio trilhão de dólares apenas na rolagem da dívida. Agora, a Selic está muito distante do patamar da época, mas a alta de 0,75pp também impacta neste valor a pagar.
De acordo com cálculo da consultoria Tendências, a Selic rodando à 2,75% ao ano acarreta num custo de serviço da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em 12 meses de R$ 91,7 bi. No comunicado feito pelo Copom nesta quarta-feira, 17, o Comitê anteviu que haverá um novo ajuste da mesma proporção, a não ser que haja uma “mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos”. Caso a Selic vá para 3,50% ao ano na próxima reunião, a Tendências calcula que o choque adicional de 0,75 pp adicionará 23,8 bilhões de reais sobre a DBGG. O cálculo leva em conta o estoque da dívida em janeiro de 2021, em 6,67 bilhões de reais, e considera que 50% dela é indexada à Selic.
“O Banco Central não pode pautar a política monetária por essa razão. A alta da Selic pesa no risco fiscal, mas é inevitável”, diz Silvio Campos Neto, sócio da Tendências. O maior risco é que o país chegue à situação chamada de dominância fiscal. Trata-se de uma tese na qual o efeito da alta dos juros no déficit fiscal é tão grande que supera os freios da Selic à inflação. Neste ponto, a política monetária se torna um instrumento ineficiente para conter a alta dos preços do país. “Podemos chegar nesse cenário e há muita especulação se já não estaríamos muito perto dele”, diz Campos Neto.
Dinâmica dos juros
Manter a Selic em patamares baixos se reflete nas demais taxas do país e barateia o custo do crédito, um paliativo importante para pessoas e empresas em momentos de crise. Por isso, essa decisão foi tomada por praticamente todos os países ricos que, devastados pela Covid-19, precisam estimular suas atividades econômicas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Fed decidiu manter os juros entre 0,25% até 2023, mesmo com o país se recuperando de vento em popa do vírus, por meio de uma ampla vacinação. Na União Europeia, eles estão em 0% há anos e ficarão assim por mais tempo. O Reino Unido os derrubou para 0,1% em março do ano passado e também decidiu mantê-los.
Cada país tem suas especificidades, mas o seu déficit fiscal e, principalmente, a credibilidade como um bom pagador de dívidas são variáveis importantes que impactam na moeda e na inflação. O Brasil está com o déficit fiscal deteriorado. De acordo com a Tendências, em 2021, a dívida bruta brasileira corresponderá a 89,2% ao PIB do país. Esta relação subirá até 2026, quando alcançará 93,5%. Depois ela declina levemente até 2030, para 92,9%. Essa projeção já considera a nova Selic e a aprovação da PEC Emergencial.
Para piorar, o país tem uma crise de confiança, agravada pela instabilidade política e pela má gestão da pandemia, o que desvalorizou o real e pressionou a inflação. Por isso, a situação dos preços e da dívida pública não dependem das decisões do Comitê de Política Monetária, o Copom, muito menos de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O cartão de visitas do país é o presidente da República, Jair Bolsonaro, que também tem a caneta na mão e apoio suficiente no Congresso para aprovar as reformas estruturantes. Basta querer.