A aprovação da Medida Provisória da Eletrobras, na segunda-feira 21, coloca fim a uma novela de mais de 26 anos. Em 1995, a estatal de energia elétrica foi incluída no Plano Nacional de Desestatização pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Mas a gestão que conseguiu privatizar a Vale e a Telebras não teve a mesma sorte no setor elétrico. O projeto enfrentou oposição ferrenha do então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que era contrário à venda de subsidiárias da empresa no seu estado e organizou uma resistência entre governadores e bancadas regionais no Parlamento. Anos depois, foi a vez de o presidente Michel Temer encaminhar, em 2018, ao Congresso um plano de capitalização da companhia, similar ao que foi aprovado agora. Fragilizado pela delação do empresário Joesley Batista e pela greve dos caminhoneiros, o projeto não avançou.
Eleito com uma promessa de diminuição da máquina pública, o governo de Jair Bolsonaro parecia seguir um caminho semelhante de frustração das expectativas. Por dois anos e meio, nenhuma grande privatização avançou. Mas, nas últimas semanas, uma articulação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o Ministério da Economia conseguiu virar o jogo, numa ação urgente para garantir que a agenda de reformas não seria deixada de lado à medida que o governo parece mais acuado e o presidente se comporta como se estivesse em campanha eleitoral. Apesar das muitas concessões feitas aos congressistas e de uma votação apertada no Senado, que deu a vitória ao projeto por 42 a 37 votos — dois deles garantidos no último dia —, trata-se de um marco para a história das privatizações no Brasil e uma vitória particular para o ministro da Economia, Paulo Guedes.
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Na prática, a MP aprovada pelo Congresso permitirá ao governo vender suas ações da Eletrobras, que, com isso, deixará de ter controle estatal. Hoje, o governo detém 61% da empresa e pretende ficar com aproximadamente 45%, além de deter a chamada golden share, ou seja, a possibilidade de veto em assembleia de acionistas para decisões estratégicas, como a mudança de controle da companhia. A estimativa é que a capitalização ocorra até fevereiro, e o governo calcula potencial de 100 bilhões de reais aos cofres públicos, entre outorga e oferta de papéis da companhia, isso se o processo não sofrer atrasos.
Para conseguir a aprovação no Congresso, a estratégia foi abandonar o projeto de lei, que ficou encostado na época do ex-presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e não chegou a ter nem mesmo relator designado. A alternativa foi forçar um trâmite acelerado por meio de uma medida provisória. Esse mecanismo legal tem validade de até 120 dias e, se não for convertido em lei pelo Congresso, perde a validade. O recurso funcionou, mas o preço foram acréscimos no texto feitos por parlamentares que pouco ou nada têm a ver com a proposta principal — os chamados jabutis. No fim, eles acabaram ajudando a amealhar votos, mas a estratégia tornou-se alvo de críticas. “Entregar algo tão técnico para o Congresso por meio de medida provisória e sem discussão acabou limitando as possibilidades de articulação do governo”, avalia a economista Elena Landau, que participou do desenho do plano de desestatização na década de 90.
Ainda assim, o governo pode comemorar ter conseguido derrubar alguns acréscimos que poderiam inviabilizar o projeto, como a venda fatiada da estatal e a extensão de 2027 para 2035 dos subsídios dados às usinas térmicas à base de carvão. “Se sobraram alguns jabutis, nós conseguimos tirar os elefantes”, compara Diogo Mac Cord, secretário de Desestatização do Ministério da Economia, em referência aos acréscimos mais exagerados. Restaram pontos polêmicos, como a obrigatoriedade de contratação de térmicas a gás, em locais predefinidos, o que levou a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) a afirmar que a medida custará 84 bilhões de reais aos consumidores de energia. Mas Mac Cord contra-ataca com o argumento de que a conta de luz pode ficar 6,3% menos custosa, já que o texto aprovado estabelece um preço-teto para as usinas.
Previsões à parte — otimistas ou catastrofistas —, a privatização da Eletrobras é a medida de maior impacto da agenda de Guedes, após a reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019. Mesmo não sendo o texto dos sonhos, a equipe econômica argumenta que pelo menos 70% do conteúdo original foi mantido. E, mais importante, a aprovação sinaliza um avanço nas propostas liberais que remontam à campanha eleitoral de três anos atrás. “Nenhuma reforma é perfeita, mas a Eletrobras tem a privatização dada e o próximo passo será dado com os Correios”, disse Guedes em apresentação on-line na quarta-feira 23. “As coisas estão andando.” É um cenário, no mínimo, alvissareiro quando se levam em conta as dificuldades que o Ministério da Economia enfrentou para avançar nessa área, entre elas o desinteresse e a falta de empenho do presidente Jair Bolsonaro no assunto. A diminuição do tamanho e o peso do Estado são um fator decisivo para o avanço econômico do país.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744