Aprovação da PEC exigirá medidas de controle fiscal já em 2023
Proposta que estoura o teto de gastos é uma vitória do novo governo, mas está longe de ser uma panaceia e inspira cautela
O arranjo final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição trouxe um alívio para o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que começa no dia 1º de janeiro. Mas não consistiu em uma vitória absoluta. Em maior ou menor dose, para todos os lados envolvidos na negociação, houve motivos para comemorar, e outros nem tanto. O texto aprovado no Congresso, na quarta-feira 21, vai permitir ao governo estourar o teto de gastos em 145 bilhões de reais, de forma que possa manter o Bolsa Família com 600 reais mensais e pagar outros benefícios sociais — como um bônus de 150 reais por criança, recompor a verba do Farmácia Popular e reajustar o salário mínimo acima da inflação. Ele também autoriza outros 23 bilhões de reais em investimentos adicionais, totalizando um estouro de 168 bilhões de reais. A manutenção do valor de 600 reais era uma promessa de campanha feita por Lula e por seu rival Jair Bolsonaro, que já vinha promovendo seguidos estouros na regra, como forma de tentar a reeleição.
Em comparação à proposta original, a versão aprovada desidratou em pouco mais de 30 bilhões de reais o valor a ser despendido além do teto. O texto também prevê que, em vez dos quatro anos de estouro pretendidos pelo futuro governo, a permissão vale apenas para 2023. Ou seja, o governo precisará voltar à mesa de negociações com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para fechar o Orçamento de 2024, se quiser renovar a licença para outro rombo. Até lá, ele deve buscar a criação de um novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos. Ou pode cortar gastos para compensar esses recursos, por meio do fim das desonerações fiscais para diversos setores — algo em discussão — e de uma reforma administrativa — o que é considerado extremamente improvável, ainda mais em se tratando do PT. “A sinalização do governo de estar disposto a rever certos benefícios tributários vai no sentido correto, mas a urgência agora é apontar como serão cobertas essas despesas adicionais”, comenta Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Se Lula tem o que comemorar, o mercado financeiro também encarou com alívio a solução alcançada no Congresso. Inicialmente calculando como tolerável um estouro de cerca de 100 bilhões de reais, o mundo das finanças encarou o valor 45% maior de forma até que positiva — achava-se que podia ser pior. Na terça-feira 20, após a versão final do texto ficar clara, as taxas futuras de juros de longo prazo recuaram, demonstrando uma percepção de menor risco de insolvência do país, o Ibovespa subiu 2,03% e o dólar caiu 1,76%. No dia seguinte, o Ibovespa subiu mais 0,53%.
Apesar da leve descompressão gerada nos indicadores de mercado, as perspectivas fiscais inspiram cautela. “O valor ainda é alto e a dúvida é como o governo vai fazer para fechar as contas. Há um risco real de ter novo arranjo tributário no qual podemos ter aumento da carga de impostos”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Mas, sem dúvidas, o estrago ficou menor do que poderia ser.” O banco BTG Pactual calcula que o pacote de gastos do novo governo pode duplicar a dívida pública do país. A relação dívida bruta e PIB do país cresceria dos 74% esperados para o fim de 2022 para 90%, em 2026, e atingiria 97% em 2030. “O Congresso fez um importante contrapeso, mas não chega a gerar otimismo, porque há um custo relevante como ponto de partida e um viés desenvolvimentista do novo governo, o que sinaliza um considerável pendor para mais gastos no futuro”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria. O novo governo conseguiu o que desejava antes mesmo de começar, mas há muito a ser feito ainda no primeiro ano de mandato.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821