O governo brasileiro costuma se autoclassificar como conservador. E os seus opositores podem argumentar com boa razão que, em muitos aspectos, como nas questões comportamentais e ambientais, o melhor adjetivo seria retrógrado mesmo. Até mesmo na área econômica algumas decisões remetem a períodos de preocupante populismo fiscal que deveriam ter ficado sepultados no passado. No entanto, na próxima semana, a partir do dia 4, o governo promete fincar um pé no futuro. Será quando o leilão das frequências de exploração do 5G, a quinta geração da telefonia móvel, deve acontecer. Muito aguardado, principalmente pelo setor de telecomunicações e por empresas que podem se beneficiar do avanço da digitalização, o projeto coordenado pelo Ministério das Comunicações, enfim, avançou, deixando para trás disputas de cunho geopolítico, como a liberação para a empresa chinesa Huawei participar do processo, por meio do fornecimento de equipamentos para as redes.
A largada efetiva para a instalação do sistema 5G brasileiro foi dada na quarta-feira 27, quando a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) recebeu as propostas das operadoras interessadas na licitação. O edital surpreendeu positivamente por atrair quinze empresas, sendo apenas cinco delas prestadoras de serviço móvel. Isso significa um potencial aumento na concorrência do setor, hoje restrito principalmente aos gigantes Claro, TIM e Vivo. Como a Oi vendeu às três rivais o seu negócio de telefonia móvel, ficou de fora da disputa.
O modelo de leilão deve favorecer os investimentos privados. No último edital de internet móvel, realizado em 2014, grande parte dos recursos foi direcionada ao Erário, e faltaram investimentos para a cobertura de regiões que até hoje ainda não chegaram à quarta geração. No atual edital, no entanto, apenas 3 bilhões de reais estimados para ser arrecadados deverão acabar no Tesouro. O restante dos aportes para garantir o direito de uso, previsto em 47 bilhões de reais, terá de se converter em investimentos, como cobertura a estradas federais e escolas. “O governo entendeu que as telecomunicações são parte da infraestrutura básica, para que, em cima dela, passem a acontecer todos os ganhos de eficiência, produtividade, bem-estar, conhecimento e saúde”, diz Leonardo Capdeville, chefe de tecnologia da TIM Brasil.
O 5G promete uma mudança radical na telefonia móvel e na transmissão de dados. A proposta é tornar o carregamento de um arquivo via internet muito mais rápido e fácil, ponto de partida para que as empresas elevem o patamar de qualidade dos produtos e serviços oferecidos ao consumidor. “O 5G é uma tecnologia-chave para a quarta revolução industrial. A partir dele será possível atingir um outro nível para as cadeias de valor das diferentes indústrias”, diz Leonardo Euler, presidente da Anatel. Estima-se que mais de 25 bilhões de reais serão movimentados em setores correlacionados ao de telecomunicações com a novidade.
A mudança, aliás, vem em boa hora. Um dos efeitos da pandemia de Covid-19 foi a aceleração das comunicações digitais, ainda que com as limitações dos serviços de internet no país. Com o 5G abre-se o caminho para o aumento da velocidade nas transmissões mas também para usos que ainda eram restritos, como a chamada internet das coisas (IoT). Por meio dela, aparelhos de uso múltiplo, de eletrodomésticos a automóveis, se conectam às redes e transmitem dados em alta velocidade entre si. “A 5G vai aumentar a longevidade dos dispositivos, baratear as funções e impulsionar novos produtos e tecnologias”, diz André Souza, executivo-chefe de tecnologia para a América do Sul da Stellantis, fabricante de automóveis das marcas Fiat, Chrysler e Peugeot. Um estudo encomendado pela Huawei à consultoria Deloitte mostra que o PIB brasileiro pode ter um impulso de 2,5% ao ano, por quinze anos, com a adoção dessas tecnologias. Excelente. O 5G deve estimular um Brasil que olha para a frente e não para o passado.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762