Quando o Japão divulgou a queda de 0,1% do produto interno bruto no quarto trimestre de 2023, a notícia que predominou foi a de que o país havia perdido para a Alemanha o posto de terceira maior economia do mundo. Os asiáticos engataram dois trimestres seguidos de retração, entrando no que os economistas chamam de recessão técnica. A ordem dos fatores importa: não é que a Alemanha estava acelerando, mas sim que o Japão cedeu seu espaço no pódio para um rival que jogava parado. O PIB alemão ficou estagnado no segundo e no terceiro trimestre, para então encolher 0,3% no final do ano passado. Coloque nessa equação o Reino Unido, que fechou 2023 em recessão técnica, e chega-se ao seguinte resultado: três das seis maiores economias do mundo cambaleiam. Inflação global elevada, turbinada pela disparada nos preços de energia após a Rússia ter invadido a Ucrânia, ajuda a explicar a estagnação dos três gigantes.
Com a inflação ascendente, sobrou menos dinheiro no bolso dos consumidores, o que reduziu as possibilidades de crescimento. No Japão, ressalve-se, o consumo das famílias representa quase metade do PIB. Na Alemanha, o símbolo máximo da queda do consumo foi o pedido de falência, no início de fevereiro, da KaDeWe, uma centenária loja de departamentos de Berlim, presente em todos os tradicionais guias de viagens. No Reino Unido, o primeiro-ministro Rishi Sunak vem sendo confrontado por não ter conseguido cumprir a promessa de fazer a economia deslanchar — não à toa, ele é aprovado por apenas 28% dos britânicos.
O cenário permanece preocupante, mas é consenso que o consumo passará por alguma recuperação em 2024, já que nos três países o aumento nos salários deverá recompor o poder de compra. O desafio agora é fomentar investimentos num período de juros altos, custos de matérias-primas elevados e falta de mão de obra qualificada. E tudo isso enquanto Estados Unidos e China se estranham, situação que altera o fluxo de comércio global.
Em agosto do ano passado, a revista britânica The Economist perguntou se, mais uma vez, a Alemanha era “the sick man of Europe” (o homem doente da Europa, em tradução livre), uma referência à alcunha atribuída ao país durante a crise econômica de 1999, com riscos de contaminar os parceiros comerciais. No fórum de Davos, o ministro das finanças alemão, Christian Lindner, disse que seu país estava mais para um “homem cansado, e que precisa de uma dose extra de café” — ou seja, de reformas econômicas. Para Sebastian Dullien, diretor de pesquisa do Instituto de Política Macroeconômica (IMK, na sigla em alemão), o paralelo entre as crises de 1999 e a atual resulta em um diagnóstico equivocado do problema e indica de forma errônea que os mesmos tipos de reformas da virada dos anos 2000 seriam necessários hoje em dia.
Agora, o cerne da crise é a energia. Por anos, a indústria alemã dependeu do gás russo para ser competitiva. Além disso, o país trabalha para descarbonizar a sua economia, o que deve manter os preços de energia elevados por algum tempo. “Mas, se der certo, no médio prazo os custos energéticos serão mais competitivos para a indústria”, disse Dullien a VEJA. Outro desafio para o futuro das economias desenvolvidas é a falta de trabalhadores qualificados, especialmente por causa do envelhecimento da população. No Japão, a escassez de mão de obra foi apontada pelas empresas como uma das razões para adiar investimentos. Trata-se de uma dinâmica que mina o crescimento de longo prazo e que países têm tentado atacar fomentando a migração — mas sob forte resistência da população local.
Apesar da crise, o FMI projeta avanços em 2024. Mas eles serão modestos: 0,9% no Japão, 0,6% no Reino Unido e 0,5% na Alemanha. O trio compra 5%, o equivalente a 16 bilhões de dólares por ano, das exportações de produtos brasileiros. Também para o Brasil, a recuperação desses países ricos será uma boa notícia.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881