Entre 1960 e 2008, o americano Bernard Madoff construiu uma das jornadas mais extraordinárias da história da indústria financeira global. Dono de uma empresa de investimentos, Madoff fez fama ao entregar a seus clientes, ano após ano, retornos sobre aplicações muito maiores do que as médias do mercado. Considerado um mago das finanças, ele atraiu para o seu negócio 30 000 investidores de diversos países, de industriais dos Estados Unidos a banqueiros da Suíça. Tudo ia bem até a grande crise hipotecária de 2008 espalhar pânico, o que levou muitos de seus clientes a solicitar saques dos valores que mantinham investidos. Mas era tudo uma farsa. Madoff não dispunha dos recursos, que haviam sido gastos, em boa medida, para custear mansões e iates espalhados pelos Estados Unidos. Preso pelo FBI sob a acusação de ter surrupiado US$ 65 bilhões, ele morreu na prisão, em 2021. Guardadas as proporções, um suposto golpe aplicado no Brasil faz lembrar, em vários aspectos, a estratégia adotada pelo trambiqueiro americano.
Documentos obtidos com exclusividade por VEJA revelam que o assessor de investimentos carioca Rogério Veras Caldeira Bastos é acusado de ter se apropriado, de maneira indevida, de recursos que clientes lhe repassaram para que buscasse oportunidades de investimento. Nos últimos anos, Bastos desenvolveu bom trânsito entre empresários com a promessa de que poderia ajudá-los a investir no mercado internacional. Para isso, usava um argumento poderoso: seu pai chegou a trabalhar com Naji Nahas, um dos maiores — e mais polêmicos — investidores da história do Brasil.
Foi assim que seduziu o gaúcho Marcos Ramon Dvoskin, dono de companhias na área de mídia. “Levamos ao conhecimento das autoridades policiais documentos demonstrando que, sob o pretexto de realizar supostos investimentos no exterior em nome de Marcos, Rogério teria arquitetado um sofisticado golpe com o intuito de se apropriar de quantia milionária que não lhe pertencia”, disse a VEJA Fábio Tofic Simantob, advogado de Dvoskin. “A partir desse ponto de partida, a Polícia Civil instaurou inquérito policial para a apuração de crimes como furto qualificado, falsidade ideológica e falsidade de documento particular e passou a realizar diligências visando elucidar os fatos.”
Na denúncia feita à Polícia Civil, o empresário Dvoskin afirma que Bastos subtraiu valores que deveriam ter sido investidos em um fundo nos Estados Unidos. Segundo a acusação, em 2017 Bastos sugeriu que Dvoskin diversificasse os investimentos estrangeiros e o instruiu a abrir uma conta no banco americano Wells Fargo. O empresário, então, depositou dois cheques nominais para que o assessor de investimentos pudesse sacar os valores e aplicá-los em um novo fundo, chamado Brickell Asset, ligado à empresa de Bastos — a QTX Capital, com registro nas Ilhas Cayman e escritório em Miami, onde mora. Os cheques somavam 407 000 dólares e foram sacados em maio de 2019 e fevereiro de 2020.
Pouco depois, quando quis acessar o dinheiro para comprar um imóvel em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, Dvoskin descobriu que não havia investimento algum — parecia ser, portanto, o mesmo modus operandi adotado por Madoff, que também sumia com os recursos de seus clientes. A defesa de Rogério Bastos nega má fé e afirma que os valores foram sacados em decorrência de um empréstimo realizado para cobrir “dificuldades financeiras” pelas quais o suposto golpista passava. “O Marcos está fazendo uso do aparato criminal para cobrar uma dívida de natureza cível”, disse a VEJA o advogado Luiz Guilherme Moreira Porto. “Em nenhum momento houve qualquer apropriação fraudulenta ou indevida dos recursos dele. O caso, no fim das contas, não passa de uma desavença. Ele usa dos mecanismos de ordem policial para pressionar o meu cliente a pagar uma dívida de natureza cível”. Contudo, VEJA apurou que, além do caso de Marcos Dvoskin, há outras acusações similares envolvendo Bastos que estão nas mãos da polícia.
A indústria brasileira de investimentos passou por notável evolução nos últimos anos. O avanço do mercado de capitais e o surgimento de novos produtos financeiros fizeram com que mais pessoas procurassem formas de ver seu dinheiro multiplicar. Ao mesmo tempo, surgiram espertalhões dispostos a ludibriar os desavisados. Nesse contexto, todo cuidado é pouco.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860