Atuação dos bancos centrais será decisiva para economia global em 2022
O que eles vão definir — e quando — será fundamental para o crescimento dos países no ano, em um movimento que afeta particularmente o Brasil
À primeira vista, os sinais de uma tão desejada volta à normalidade começaram a aparecer nas economias dos países. E eles são mais significativos quando se observa o comportamento dos investimentos mais seguros do mundo, os títulos públicos das nações mais desenvolvidas. Na semana passada, o rendimento dos títulos americanos e europeus com vencimento de dez anos atingiu marcas inéditas desde 2019. Nos Estados Unidos, os do Tesouro, os mais confiáveis contra calotes do planeta, subiram para 1,89%, enquanto os juros dos títulos do Reino Unido atingiram 1,28%. Na Alemanha, eles deixaram o patamar negativo pela primeira vez em quase três anos.
Definidos pelas expectativas do mercado, esses números mostram que os investidores, agora, têm outros indicadores em foco. Interessam menos as taxas de contaminação por Covid-19, que definiram muitas das decisões econômicas dos últimos anos. Mesmo que, no curto prazo, a escalada dos casos da variante ômicron seja acompanhada com certa atenção e possa causar ainda alguns sobressaltos, há grande expectativa de controle sobre a pandemia. Outro tema que preocupava no passado, a guerra de tarifas entre Estados Unidos e China — personificada nas figuras dos presidentes Donald Trump e Xi Jinping, que por vezes arrastavam a Europa para o meio da confusão —, também está fora do radar.
Agora, em substituição a esses fatores, está no centro de tudo a ação coordenada dos principais bancos centrais do mundo. O que eles vão decidir — e quando — será fundamental para o crescimento dos países em 2022. Dessa forma, todos os olhos estão voltados aos anúncios feitos por Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, Christine Lagarde, do Banco Central Europeu, e, no Brasil, Roberto Campos Neto, do Banco Central. Parece algo muito mais banal e menos explosivo do que as questões que nortearam as economias dos últimos anos, mas isso tem relação com um efeito colateral inesperado e de grande impacto que a Covid legou ao planeta: uma inflação alta por quase toda parte, algo que lembra mais os anos 1980 do que as últimas décadas. “Apesar do aumento de casos e hospitalizações, a Covid-19 está agora mais próxima de uma endemia. Parece ser uma questão de tempo para vermos caírem os casos. Já a inflação não, ela é bem mais profunda e duradoura”, diz Adriano Cantreva, sócio da gestora de investimentos Portofino Multi Family Office.
Nos Estados Unidos, a alta de preços ao consumidor encerrou 2021 com um acumulado de 7%, a maior taxa em quase quatro décadas, e a expectativa é de que continuará forte com a recuperação da economia. Os investidores já esperam até quatro altas de juros para 2022, o que os levaria do patamar atual de 0% para 1% no fim do ano. Vale lembrar que o Fed deve encerrar em março o programa que injetou trilhões de dólares na economia. Na Europa, o quadro é similar. No ano passado, a Alemanha teve uma inflação média de 3,1%, a maior desde 1993, enquanto o índice de preços ao consumidor no Reino Unido foi de 5,4%, um recorde em quase trinta anos. Apesar da expectativa de que os juros sejam mantidos em -0,5% neste ano, o Banco Central Europeu deve encerrar os programas que injetam de 70 bilhões a 80 bilhões de euros por mês na economia por meio de compra de títulos públicos.
Todas essas mudanças impactam especialmente os países emergentes como o Brasil, que apresentam muito mais riscos aos investidores do que as economias desenvolvidas. A tendência é que juros mais altos no Hemisfério Norte atraiam para lá os recursos financeiros e causem exigências de mais prêmios para investir em empresas e governos de mercados menos estáveis. No segundo semestre de 2021, o descontrole com a inflação no Brasil levou o Banco Central a uma ação radical com elevação brusca da Selic. A expectativa é que a taxa, que estava em 2%, chegue a 11,75% ao fim de 2022, o que está longe de ser um cenário favorável.
Um estudo recente da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o Brasil terá neste ano o terceiro pior crescimento do PIB do mundo, de 0,5%, atrás apenas de Mianmar e da Guiné Equatorial. Tal situação se deve às lições de casa não aprendidas. “O mal desempenho da economia brasileira em 2022 está muito mais relacionado a questões domésticas”, diz o economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. “O processo inflacionário é mais grave porque tivemos uma desvalorização do real devido a equívocos fiscais”, conclui. O dólar alto tem impacto particularmente severo nas commodities com preços elevados no mercado internacional. Na semana passada, o barril do petróleo do tipo Brent se aproximou dos 90 dólares, em uma alta anualizada de 13,3%. Em 2021, o aumento da cotação internacional incentivou a inflação de 47,49% da gasolina e de 62,23% do etanol no Brasil.
Em meio a tantas previsões negativas, pelo menos uma alivia a situação do país. Enfrentando uma crise imobiliária e restrições rígidas para conter a ômicron, a China, principal parceiro comercial do Brasil, baixou os juros para estimular o crescimento da economia, que de acordo com o relatório da ONU será de 5,2% em 2022. A decisão do Banco Central Chinês pode incentivar o consumo no país asiático. Pelo menos, um banco central pode ajudar a incentivar a atividade econômica no Brasil, no momento em que as coisas voltam ao normal, mas nem tanto assim.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773