Bolsonaro pode beneficiar Doria na proposta de ICMS para combustível
Conselho dos secretários estaduais definiria alíquota única e valor fixo; em meio a queda de arrecadação, dificilmente vão advogar contra próprias contas
Com a insatisfação dos caminhoneiros em relação ao preço do combustível — com direito a ameaça de mais uma greve –, o presidente Jair Bolsonaro tem buscado se esquivar da responsabilidade ao adotar a estratégia de botar a culpa do alto valor no ICMS, um imposto cobrado pelos estados. O presidente poderia ter aproveitado a oportunidade para se engajar na reforma tributária, que tem potencial para resolver as distorções que hoje existem na arrecadação dos impostos sobre o combustível, mas preferiu propor ao Congresso que altere a forma de cobrança do ICMS e que seja fixado um valor único para todo o país e não mais uma alíquota. O próprio projeto do governo prevê que esse valor seria fixado pelo Confaz, o conselho nacional de secretários de fazenda estaduais. E é aqui que o governo de São Paulo, gerido hoje por João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro, pode sair desta história arrecadando mais do que já arrecada — com o efeito adicional de causar um aumento no preço final do combustível em algumas regiões.
O tributarista Eduardo Fleury, do escritório Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, que já foi funcionário da Secretaria da Fazenda estadual, explica que hoje as alíquotas do imposto estadual sobre o combustível variam de 25% a 34% para a gasolina. Como os preços do combustível variam no país de acordo com a distância das refinarias, isso significa que a gasolina é mais cara no Amazonas do que em São Paulo. Apesar de os dois estados cobrarem 25% de alíquota, proporcionalmente o estado do Amazonas arrecada mais. Em um exemplo hipotético é como se São Paulo cobrasse 1 real por litro e o Amazonas 1,25 real por litro, para compensar os custos de transporte.
Se o Congresso aprovar proposta de valor fixo do projeto enviado na última sexta-feira, o preço do imposto será definido pelo Confaz, onde votam os 26 governadores por meio de seus secretários de fazenda. “Os governadores do Norte e Nordeste vão querer um valor fixo mais alto para compensar a diferença de preços da gasolina”, diz Fleury. Em número, os governadores do Norte e Nordeste conseguem maioria no Confaz. Assim, São Paulo, que, no exemplo hipotético hoje recebe 1 real, passaria a receber 1,25 por litro. Arrecadaria mais do que arrecada hoje. Mas isso também significa que o preço do combustível poderia ficar mais alto no estado e isso ser politicamente ruim para Doria.
Pelo projeto enviado por Bolsonaro, os estados vão definir um preço fixo do combustível na bomba e a partir dele estabelecer uma alíquota única. A advogada tributarista Ana Claudia Utumi, do escritório Utumi Advogados, explica que dificilmente os estados estabeleceriam preços e alíquotas menores do que hoje, afinal, passam por grandes dificuldades financeiras. E, diferentemente do governo federal, os governos estaduais não podem emitir dívidas para se financiar. Se perdem arrecadação, significa que terão dificuldade para manter obrigações, entre elas merenda, fazer obras, pagar servidores, segundo Utumi. Logo, é difícil de imaginar que juntos, no Confaz, os governadores vão chancelar a queda da arrecadação. “Não é o ICMS que causa o problema de flutuação de preços. São os preços internacionais do petróleo que variam e são repassados para as bombas”, afirma.
Imposto na nota
Bolsonaro publicou, na sexta-feira da semana passada, um post com uma foto de uma nota fiscal de um posto de combustível no Rio Grande do Norte, que apontava que, de uma conta de 90 reais, cerca de 52 reais seriam impostos federais. “Na nota acima o indício de bitributação, além da desinformação sobre o ICMS, que não é ZERO. Ainda jogam a população contra o Governo Federal como se fosse o único a arrecadar”, disse o presidente incentivando seus seguidores a abastecerem seus carros e caminhões e postarem a imagem das notas fiscais. Ninguém postou porque a conta do presidente no Facebook está configurada para não receber imagens nos comentários, conforme revelou Radar Econômico.
Mas ele saiu dizendo que estava sendo censurado pela rede social e ameaçou até a aumentar impostos das empresas de tecnologia. Sobre a nota em si, o advogado Fleury diz que a informação dos impostos é um requisito da lei, mas que cada posto de combustível escolhe a fonte da informação. Não é uma atribuição dos governos estaduais. Isso significa que o posto errou no valor dos impostos, com base na fonte que ele escolheu. Pelas contas de Fleury, os 52 reais incluem os impostos estaduais.