O brasileiro que investiu milhões em frango “vegetal” em Singapura
Em sociedade com alemão, o brasileiro André Menezes inicia expansão do Tindle para Hong Kong, Macau e Kuala Lumpur; mercado brasileiro apresenta barreiras
Servir à mesa um frango feito à base de soja que oferece o mesmo sabor e a versatilidade da coxa de frango parece um desafio e tanto, ainda mais quando se trata de um produto com alto teor de proteínas, fibras, baixa proporção de carboidratos, livre de modificação genética e, naturalmente, zero colesterol. Parece mentira, mas esta é a exata combinação que o brasileiro André Menezes propõe para mais de 40 restaurantes no outro lado do mundo, mais precisamente na Ásia, em Singapura. A Next Gen, criadora do TiNDLE — como é conhecido o frango vegetal da marca–, recebeu um aporte de 10 milhões de dólares, naquela que foi a maior rodada de investimentos semente da história para o desenvolvimento de um alimento plant-based, aquele que à base vegetal imita outro produto. O jovem empreendedor de 33 anos tem como principal objetivo fabricar o frango vegetal no Brasil, mas esbarra em obstáculos como a desvalorização cambial, as taxas de importação e a falta de um parceiro local para produção em larga escala.
O empresário se formou em Engenharia Mecânica pela Unicamp e fez carreira na BRF, gigante no mercado de alimentos do Brasil. Por lá, trabalhou na área de cadeia de suprimentos, responsável por gerir a logística do grupo. Menezes diz que na companhia compreendeu todo o processo da cadeia, desde o grão que alimenta o gado até a ponta final do negócio: o consumidor. Conhecedor das técnicas e processos, o engenheiro chegou à conclusão de que os danos ambientais são enormes durante o processo. No caso específico do frango, perdem-se muitas partes do animal que não são interessantes para o consumo humano, como as penas. Além desses desperdícios, o processo demanda o uso de uma série de outros produtos em larga escala, como medicamentos, comida, água, o transporte entre as fazendas e a própria energia gasta pelos trabalhadores da produção. ”Foi muito chocante para mim. Me fez questionar se aquilo realmente fazia sentido”, afirma. Diante dessas problemáticas, o empresário decidiu por um novo rumo em sua carreira, mas a quilômetros de distância do Brasil.
Ainda na BRF, André Menezes se mudou para Singapura com o intuito de comandar uma joint venture da empresa com a Sats, maior distribuidora de carnes do país. No entanto, em 2019, decidiu interromper o ciclo na companhia para fundar, no ano seguinte, e em sociedade com o alemão Timo Recker, a Next Gen. O foco é produzir alimentos à base de plantas que possam transmitir o sabor e a textura de uma carne. Com o investimento de 2,2 milhões de dólares do alemão, os trabalhos foram iniciados em março de 2020, em meio ao início da pandemia de Covid-19. O TiNDLE foi desenvolvido em uma cozinha que estava vazia justamente por causa do isolamento social. “Não é possível que daqui a 30 anos o negócio de carne ainda seja o responsável pela nossa alimentação, essa não pode ser a única resposta”, argumenta.
A partir desse momento de criação da proposta, foram desenvolvidos a marca, a imagem e o processo de produção do alimento na Europa, em um trabalho integrado, sem a necessidade dos empresários deixarem Singapura. Os frutos foram colhidos em fevereiro deste ano, quando Recker e Menezes conseguiram a tal rodada de investimentos de 10 milhões de dólares, uma marca histórica para o setor.
O TiNDLE fez sua estreia global em Singapura, em março de 2021, e, desde então, já entrou para o menu de mais de 40 restaurantes, incluindo os de chefs estrelados do Michelin. Agora, após o aporte milionário, a foodtech inicia sua expansão internacional para três das principais cidades da Ásia: Hong Kong, Macau e Kuala Lumpur, onde deve ser lançada em 24 de junho. O segmento global de plant-based deve chegar a movimentar 85 bilhões de dólares até 2030, de acordo com o banco suíço UBS. No Brasil, o número de vegetarianos cresceu 75% entre os anos de 2012 e 2018, segundo o Ibope. Ainda de acordo com o instituto, 60% de todas as pessoas entrevistadas prefeririam comprar produtos à base de plantas se a faixa de preço fosse semelhante à dos produtos de origem animal da mesma categoria.
Embora o desejo do empresário brasileiro que comanda o projeto do TiNDLE seja ofertar o produto no país, alguns empecilhos pesam contra essa vontade pessoal. “Imaginamos que os quatro maiores mercados a longo prazo sejam Estados Unidos, Europa, China e Brasil”, ressalta Menezes. Por outro lado, a maior barreira em relação ao Brasil é a desvalorização do real frente ao dólar, além das taxas exorbitantes de importação — fatores que encareceriam consideravelmente o produto. O objetivo do empresário é desenvolver um alimento a preço justo e que possa ser consumido pela população em geral, não apenas pelos ricos. O cenário ideal para o ingresso do TiNDLE no país é por meio da construção de uma fábrica própria no Brasil, mas ainda faltam parceiros para tal. “Hoje, da maneira como está desenhado, o preço para o consumidor final seria astronômico”, completa. Por enquanto, resta a Menezes sonhar com melhores condições no futuro, para, então realizar o desejo de trazer a sua criação para seu país natal.