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Brinquedo levado a sério

Chega ao Brasil o sistema que faz sucesso nas grandes cidades americanas: o aluguel de patinetes elétricas compartilhadas. Trata-se de um negócio bilionário

Por Flávio Ismerim
Atualizado em 4 jun 2024, 16h22 - Publicado em 16 nov 2018, 07h00

O paulistano mais atento já notou. Depois de décadas relegada ao ostracismo, a patinete começa a voltar à paisagem. Não aquele velho brinquedo em que crianças se impulsionavam com uma das pernas em praças e calçadas. A nova patinete é elétrica, chega a 25 quilômetros por hora e tem sido usada por homens de gravata e mulheres de tailleur zunindo pela ciclovia da Avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, enquanto motoristas irritados no infame trânsito da hora do rush os observam de dentro do carro. É que já estão em operação na cidade três sistemas de compartilhamento de patinetes elétricas, nos moldes do aluguel de bicicletas que hoje faz parte da rotina das grandes cidades brasileiras. Sem muito alarde, as startups Scoo, Ride e Yellow começaram a disponibilizar as engenhocas em agosto, em alguns poucos pontos da capital paulista. O aluguel é efetuado por meio de um aplicativo no celular, que mostra onde há patinetes livres e as destrava uma vez feito o pagamento. Simples e eficiente. “Ela tem mais estabilidade do que a bicicleta, permite que eu ande de salto, leve a mala da academia e não chegue ao trabalho suada”, diz a advogada Nathaly Guimarães, que não usa mais o carro para percorrer os 2 quilômetros entre sua casa e o escritório.

No Brasil, a primeira companhia a apostar no negócio foi a Ride. Seu fundador, Marcelo Loureiro, morava na cidade de Santa Monica, na Califórnia. Em setembro de 2017, ele acompanhou de perto o surgimento da Bird, a primeira empresa de compartilhamento de patinetes elétricas do mundo. O sucesso da Bird foi tão estrondoso que fez dela a startup que mais rápido se tornou um unicórnio — palavra que, no jargão do Vale do Silício, designa companhias avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. “Estava lá durante os primeiros meses, vi os erros e os acertos deles, e pude tropicalizar o modelo para trazê-lo para cá”, conta Loureiro. A Bird, que hoje vale 2 bilhões de dólares, já anunciou planos de entrar no Brasil.

De olho na concorrência que se avizinha, Loureiro tem criado estratégias para crescer. A Ride anunciou recentemente sua fusão com a Grin, a maior operadora de patinetes elétricas da Cidade de México, e promete colocar 1 000 veículos por toda a São Paulo até o fim do ano. Fechou ainda uma parceria com a Rappi, aplicativo de serviço de delivery. A ideia é usar a penetração da Rappi na América Latina para fazer uma rápida expansão para países como Colômbia e Argentina. A Scoo também tem planos de expandir suas atuações para fora do país e chegar a Buenos Aires até o fim do ano. A empresa, que ofereceu 100 patinetes de forma gratuita nos seus primeiros 75 dias, começou a operar normalmente em novembro e promete chegar ao Rio de Janeiro e a Brasília antes da virada do ano. Mais de 10 000 pessoas já utilizaram o serviço, que oferece as tarifas mais baixas do mercado: 1 real nos primeiros quatro minutos e 25 centavos para cada minuto adicional. “Na nossa visão, esse produto é um meio de transporte complementar ao transporte público e, portanto, a tarifa precisa ser baixa”, defende Mauricio Duarte, diretor-geral da startup.

Patinetes elétricos
TRANSTORNO – Calçada bloqueada em São Francisco: a cidade baniu as patinetes (Robyn Beck/AFP)

Com passagens em altos cargos na Uber, o fundador da Bird, Travis VanderZanden, replicou em sua empresa o mote de seus antigos empregadores: é mais fácil pedir desculpas do que pedir permissão. Sua estratégia foi a de inundar as cidades americanas com patinetes elétricas sem nenhum contato prévio com as prefeituras ou com as comunidades locais. A companhia permitia que os usuários deixassem a patinete em qualquer lugar, sem zonas específicas de estacionamento. As pessoas largavam o veículo na frente de garagens, bloqueavam calçadas, e a falta de organização causou transtornos e a ira de muita gente. Em maio, São Francisco baniu o uso do aplicativo e de seus concorrentes. Voltou atrás em agosto, mas com um número limitado de licenças. Santa Monica foi pelo mesmo caminho. Ainda assim, as leis que impedem que as patinetes circulem nas calçadas têm sido ignoradas. O especialista em cidades inteligentes Renato de Castro vê como normal esse início de relacionamento conturbado, e aposta na proatividade do setor municipal em auxílio ao desenvolvimento do processo de digitalização dos municípios. “Em vez de discutirem como limitar as patinetes, as prefeituras devem fazer parcerias para que essas empresas possam contribuir para a mobilidade das cidades”, afirma. Em São Paulo, as três companhias optaram por usar áreas fixas para as patinetes por orientação da Secretaria Municipal de Transportes, e têm apostado na criação de zonas específicas de estacionamento.

Um mês após lançar um aplicativo de compartilhamento de bicicletas sem base fixa, a Yellow disponibilizou seu serviço de patinetes. A empresa desenvolve soluções de integração com o transporte público e, na sua avaliação, seus veículos estimulam o que ela chama de micromobilidade. “Você não consegue colocar um ponto de ônibus, trem ou BRT em cada esquina. Todo mundo tem de percorrer uma pequena distância, seja no começo, seja no final do trajeto, e nós facilitamos isso com uma alternativa barata e não poluente”, diz Eduardo Musa, fundador da companhia. Sim, a patinete voltou para ficar.

Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609

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