Há poucas semanas, a empresa Biz Capital estava comemorando um recorde. Em exatos 1h58min, uma pequena empresa desconhecida qualquer entrou no site da fintech, fez seu cadastro, pediu seu crédito e recebeu o dinheiro na sua conta. Sim, é exatamente isso. Em menos de duas horas, a tal pequena empresa tomou um empréstimo, a juros de mercado, sem precisar ir até um agente bancário, apesar de uma análise de crédito apuradíssima feita com base nos dados sobre a empresa e seu dono. O mercado de fintechs de crédito está a pleno vapor pelo Brasil afora, esbanjando dos artifícios da tecnologia para melhorar análises de crédito e emprestar dinheiro para os esquecidos pelos grandes bancos. Esse mercado, que está iniciando no país, já foi posto a prova pela pandemia, que poderia levar a inadimplência a explodir e destruir suas carteiras.
Mas os algoritmos que ajudam a encontrar padrões de bons pagadores em meio a milhões de informações, desde o tempo gasto num site de crédito até o histórico das contas bancárias, mostraram que a tecnologia pode ajudar até nas mais imprevisíveis das tempestades.
A inadimplência cresceu, mas se mostrou administrável. As fintechs já voltaram a emprestar, ajudaram grandes bancos a dar crédito para pequenas empresas com os recursos garantidos pelo governo e agora se preparam para o open banking, que permite um supercompartilhamento de dados e que vai acirrar a concorrência das empresas financeiras tradicionais com os bancões. A ABFintechs, uma associação do setor, estima que nos próximos cinco a dez anos as fintechs terão uma carteira de 300 bilhões de reais no Brasil, na medida em que o crédito como um todo avançar.
Não foi por acaso que empresas como Nubank, Neon e C6 receberam 4,5 bilhões de reais de dinheiro de investidores neste ano. Uma das metas deles é fincar bandeira para valer no crédito. Não só o de cartão, mas o que financia capital de giro, compras de equipamentos, de produtos.
Fora deste mundo das big fintechs, existe um mercado efervescente que é financiado por fundos de crédito, chamados FDIC, que compram o crédito gerado pelas fintechs e ajudam, assim, a girar suas carteiras. Só o BNDES está com um programa para financiar 4 bilhões de reais por meio de FDICs no próximo ano. Há ainda aquelas que captam recursos para emprestar por meio de debêntures — títulos de dívidas — com garantia de carteiras de crédito.
A estimativa é que esses instrumentos já tenham movimentando no Brasil até no ano passado cerca de 16 bilhões de reais e atraem grandes nomes do mercado financeiro, como a gestora de recursos Franklin Templeton, dona de um fundo que só investe nesses papéis de fintechs, ou gestoras que preferem ativos de impacto social, de acordo com o conceito de ESG, como a Empírica Investimentos. O gestor do fundo da Franklin Templeton, Renato Pascon, diz que todos os dias 40 empresas de tecnologia são apresentadas a ele. Entre as fintechs, há coisas bem segmentadas como a SolFácil que financia a compra de painéis solares para as casas das pessoas. A empresa de crédito calcula as prestações com base na conta de luz de forma que a pessoa nem sinta a diferença. E, se não fizer o pagamento, um sistema corta a luz solar da casa. O resultado é uma inadimplência baixíssima. Outro exemplo de fintech de crédito é a Provi, que financia quem quer fazer um curso de programação e só cobra as parcelas depois que o aluno começar a trabalhar. Ela também tem programas para colocação profissional. Há também a Rebel, que analisa crédito por 2 mil fatores.
Esse mercado fervilha porque existem 150 milhões de pessoas que não conseguem ter acesso a crédito. “Quem vai mudar isso é o movimento das fintechs, com a capacidade de atingir o Brasil todo só com a internet e sem exigir a abertura de conta no banco”, diz CEO da Empirica, Leonardo Calixto. Em suma, esse é o novo caderninho do fiado. E o modelo de negócios do caderninho de fiado todo mundo entende. Se não pagar, não vai mais ter crédito.
A Empírica administra hoje 3 bilhões de reais em FDICs. Recentemente lançou um fundo com a Vox Capital, uma empresa que se dedica a investir em negócios de impacto. Um dos investimentos que mais as agradam é o o CredPopular, que ainda não se encaixa na nomenclatura fintech porque só agora está investindo em tecnologia, mas que está angariando a expertise das ruas para fazer microcrédito sem deter um grande banco por trás. Ele possui 2 mil clientes, a maioria da região do Brás, reduto comercial em São Paulo. Cerca de 30% deles são bolivianos. Eles costumam pagam tudo em dia, com medo de ficar com o nome sujo e serem mandados de volta para a Bolívia. A região é dominada pelos comerciantes de roupas. Isso significa que, quando chegou a pandemia, não é que a inadimplência simplesmente cresceu: ela atingiu 100% da carteira, como conta Edilson Parra, um dos donos da CredPopular. A saída foi renegociar aqui e ali, dando um prazo maior de pagamento. Ainda 20% da carteira registra problemas. Mas os endividados seguem pagando.
O segredo está em entender bem o seu modelo de negócios. As fintechs perceberam justamente que muitos nichos de mercado são deixados de lado pelos grandes bancos, apesar de trazerem um alto potencial de serem bons pagadores. É o caso da fintech A55, que empresta capital de giro para startups. Não importa que a empresa não tenha balanço, o que importa é ter faturamento e permitir que a A55 tenha acesso a sua conta concorrente — em modo apenas de visualização, como reforça o fundador Renan Schaeffer. Os robôs da A55 trabalham com essas informações e conseguem saber se a startup é uma boa pagadora.
Para quem vive de ganhar dinheiro com o rendimento dessas carteiras, como é o caso dos fundos da Empirica, esse movimento não tem volta. Calixto diz que a cada dia surge um novo nome de fintech que já bate na porta com uma carteira de 50 milhões, 100 milhões de reais. “Há cinco anos a grande maioria delas nem existia”. Conhece bem essa história a BizCapital, uma iniciante que já emprestou dinheiro para pequenas empresas em mais de 1.350 municípios espalhados pelo país.