A venda de Créditos de Descarbonização (CBios) bateu recorde na primeira quinzena de setembro após a publicação das metas anuais estipuladas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Com a pandemia de coronavírus, o órgão precisou revisar os números e, para 2020, diminuiu consideravelmente a meta de comercialização, mais precisamente para 14,5 milhões de unidades, ante 28,7 milhões previstos anteriormente. Cada unidade tem preço médio entre 23 e 32 reais, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). As discussões em torno da criação desse “título verde” acontecem desde 2016, quando o Brasil ingressou no Acordo de Paris e se comprometeu com a diminuição da emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Essa redução deve acontecer por meio do aumento da parcela de biocombustíveis no país e pela compensação da emissão de poluentes com a comercialização dos Créditos de Descarbonização. O cálculo é de que um CBio equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida na atmosfera. A venda desses certificados representa um marco histórico para o Brasil, em vista que, pela primeira vez, foram estabelecidas metas específicas para o setor. Mas é preciso se atentar aos atrasos generalizados e à falta de transparência nas operações financeiras, que sinalizam um descompasso ainda a ser ajustado.
Para Thadeu Silva, chefe da área de óleo e gás da consultoria INTL FCStone, a situação é delicada. Por um lado, os CBios são ativos de usinas que se prepararam e investiram para lançar o papel e que, portanto, não podem ser forçadas a negociar por um preço abaixo de seus interesses para ajudar o mercado a fechar a conta no primeiro ano. Por outro, se não ocorrer uma oferta acelerada, o prazo curto pode levar a movimentos de manada, incluindo bolhas de preço. Isso acontece porque as distribuidoras são obrigadas a atingir a meta e podem ser forçadas a aceitar o preço do mercado para não tomarem eventuais penalidades. “Na última segunda-feira, tivemos uma primeira amostra desse fenômeno, quando a cotação do CBio apresentou alta de mais de 30% durante um mesmo dia de operação. Mesmo com o recuo nos dias seguintes, os papéis estão fechando a semana com alta de mais de 20%. Uma alternativa para atingir as metas seria por meio do aumento de compra de biocombustíveis pelas distribuidoras”, sugere o especialista. O aumento de preço acontece em meio à alta procura pelos títulos. Entre 16 e 22 de setembro, as vendas bateram recorde, quando mais de 250 mil certificados foram comprados pelas distribuidoras.
As negociações ocorrem na Cetip Trader, uma plataforma de balcão da B3, em que os ativos aparecem diferenciados por emitentes. O programa foi desenhado para que o CBio seja um ativo sem qualquer diferenciação – uma espécie de commodity financeira –, assim, independentemente do emitente, o papel tem o mesmo poder e finalidade, o que traz transparência à negociação. “As cotações das negociações não podem ser acompanhadas pelos participantes em tempo real por meio de plataformas de mercados, os valores são acessados apenas pelas mesas das corretoras. Para se ter uma ideia, algumas instituições financeiras optaram por trabalhar em um balcão paralelo à tela. Dessa forma, as ordens de compra e venda não são vistas pelos demais participantes de mercado e só podem ser acessados por clientes da instituição. O resultado é que as partes envolvidas em negociações no mercado precisam operar com várias instituições em uma espécie de ‘caça ao tesouro’ por melhores preços de compra e venda”, revela o chefe da área de óleo e gás da consultoria INTL FCStone.
Nos preços atuais, o mercado de CBios deve movimentar em torno de 500 milhões de reais nos próximos meses, o que configura uma despesa importante para as distribuidoras obrigadas. “Em alguns momentos, as operações de balcão fora da tela ocorriam com deságio de 20% em relação às ordens de compra presente na tela, gerando prejuízo de centenas de milhares de reais às empresas envolvidas. Um sistema com contraparte central, semelhante às demais commodities negociadas na B3 retiraria a assimetria de informação, facilitaria a negociação entre as partes e retiraria a elevada dispersão entre os preços negociados. A negociação necessita rumar para a isonomia rapidamente ou a política pode interferir no equilíbrio do setor” alerta Silva.
Todas as distribuidoras de combustíveis são obrigadas a comprar esses créditos. Na manhã desta sexta-feira, 25, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) definiu os objetivos individuais de cada empresa. A BR Distribuidora, por exemplo, terá a maior meta de aquisição de CBios para 2020, com 3,93 milhões de unidades, seguida pela Ipiranga, do grupo Ultrapar, com objetivo fixado em 2,88 milhões de unidades do título. A Raízen (associação entre Cosan e Shell) terá de comprar 2,6 milhões de unidades de CBios até o fim de 2020. A empresa, que também é produtora de combustíveis, acredita que o CNPE agiu de forma acertada ao revisar as metas obrigatórias para acomodá-las à nova dinâmica de mercado. “Naturalmente, o processo de revisão reduziu o prazo para cumprimento dessas metas. Contudo, a empresa acredita que a modelagem feita pelo governo ainda prevê uma oferta de CBios superior à demanda até o final de 2020. Na perspectiva da Raízen, a alta recente de preços após a divulgação das metas oficiais só confirma que este é um instrumento regulado pela lei de oferta e procura, e reforça a solidez do programa RenovaBio”, afirmou a companhia em nota para VEJA.
Faltando pouco mais de três meses para o fim de 2020 e para o consequente cumprimento das metas estabelecidas pelo CNPE, uma parte das empresas envolvidas já havia se adiantado e começado a comprar os títulos em cima da previsão lançada na consulta pública e na meta geral publicada no início de setembro, mas as incertezas do mercado culminaram em uma movimentação abaixo do necessário, tanto que cerca de 85% dos papéis ainda precisam ser negociados. Com desafios a serem superados, é de extrema importância que o mercado entre em sintonia e cumpra a meta estabelecida para o ano, que já representa apenas metade do estipulado anteriormente, por causa da pandemia. Os compromissos selados pelo Brasil para a redução da emissão de dióxido de carbono precisam ser cumpridos à risca, elevando a produção de combustíveis renováveis para, concomitantemente, diminuir, ainda mais, a participação dos fósseis na matriz energética do país.