A atual corrida eleitoral pela Presidência da República é pródiga em promessas feitas pelos candidatos. Todos garantem a manutenção do auxílio aos mais pobres em 600 reais no próximo ano. Ciro Gomes, do PDT, fala até em realizar um programa de renda mínima de 1 000 reais. Por excesso de otimismo ou simples oportunismo eleitoral, eles partem do pressuposto de que terão um caixa robusto para o próximo exercício. O problema é que, a despeito dos bons resultados de arrecadação de impostos neste ano, as nuvens parecem cada vez mais ameaçadoras no cenário global de 2023. A mais recente e perigosa tem relação com o desempenho econômico da China, o maior parceiro comercial brasileiro. “A situação vai ser difícil e não tenha dúvida de que isso vai se descobrir logo”, diz o embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero.
O desempenho positivo das contas públicas no primeiro semestre deste ano tem relação com a recuperação da atividade no pós-pandemia, como no setor de serviços, mas também com a alta de preços das commodities que o Brasil exporta, como petróleo, minério de ferro e alimentos. Como um grande comprador desses produtos, a China tem sido crucial para a performance da balança comercial brasileira. As cotações, que já vinham em alta em 2021, subiram mais com as restrições causadas pela guerra na Ucrânia, no primeiro semestre. Esse efeito ajudou a trazer mais dinheiro para o país e gerar mais impostos pagos ao governo. Mas, nas últimas semanas, as perspectivas mudaram.
O grande dínamo econômico do novo milênio e segunda maior economia global, a China indica cada vez mais ter colocado o pé no freio e ter deixado no passado os seus anos de mais brilho. Economistas já preveem que o crescimento do PIB chinês ficará, neste ano, em torno de 3,5% e pouco acima de 5% em 2023. Essas últimas projeções representam baixas em relação a prognósticos anteriores, como os do Fundo Monetário Internacional, mesmo considerando anúncios recentes do governo do presidente Xi Jinping para reavivar a economia. Ele promoveu, nas duas últimas semanas, quedas drásticas de juros — foram 15 pontos de baixa para a taxa de operações de cinco anos —, na contramão do resto do mundo, e até anunciou um pacote de gastos de 146 bilhões de dólares.
Tais números de crescimento do PIB entre 3% e 4% ficam muito distantes do impulso pós-pandemia de 8,1%, que favoreceu o governo Jair Bolsonaro meses atrás. Nos anos 2000, o ritmo de crescimento chinês superava os 10% — tendo atingido 14,2% em 2007 —, algo que tanto ajudou os mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A desaceleração asiática atual é causada por uma somatória de fatores. Um dos principais foi a decisão de Xi Jinping de impulsionar o consumo interno e manter o crescimento do país estável, ainda que menor. Isso significou uma diminuição considerável das injeções do governo em setores como o de infraestrutura e o mercado imobiliário, que agora atravessa uma grave crise.
Para piorar o quadro, o governo chinês não demonstra interesse em flexibilizar a sua estratégia de tolerância zero contra a Covid-19 e a variante ômicron, levando a novos lockdowns, algo que prejudica a produção industrial e o escoamento de mercadorias nos portos. As regiões de Pequim, Chengdu e Shenzhen, o polo da indústria de tecnologia do país, foram os mais recentes a fechar. Por fim, o verão seco e com altas temperaturas está atingindo safras agrícolas, o fornecimento de energia e o tráfego de embarcações de carga em rios que sofrem com a diminuição do nível de água.
Nos últimos anos, a China tem ajudado o Brasil não só comprando commodities, mas também com investimentos em startups, infraestrutura e produção de petróleo. No ano passado, o país recebeu de Pequim 5,9 bilhões de dólares, 13,6% do capital chinês investido no exterior. Com isso, o Brasil foi o maior destino de investimentos da nação asiática, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China. A questão é se o ritmo pode continuar. “Certamente, ficou para trás aquele momento de empréstimos gigantescos de recursos públicos chineses para projetos de investimento pelo mundo”, avalia o economista Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do Centro de Políticas para o Novo Sul. “Temos à frente uma desaceleração global inevitável. Esta combinação não é benéfica para o Brasil.” O presidente eleito para 2023 pode não admitir em discursos, mas precisará se preparar para governar o país em um cenário econômico internacional bem mais restritivo.
Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805