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Com juro baixo, brasileiro terá de arriscar mais para ter ganho financeiro

Modelos tradicionais rendem menos que a inflação e fazem classe média buscar novas estratégias para aplicar suas economias

Por Alessandra Kianek Atualizado em 4 jun 2024, 15h05 - Publicado em 17 jan 2020, 06h00
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  • É um tanto estranho para a classe média brasileira ver-se sem as taxas de juros estratosféricas praticadas no país por quase quatro décadas. Nos anos 1980, por exemplo, no auge da superinflação, quem possuía dinheiro para aplicar na chamada taxa overnight conseguia uma renda de até 2%, literalmente, de um dia para o outro. A inflação, que chegou a 2 500% ao ano, foi controlada pelo Plano Real, mas o espírito rentista e patrimonialista do brasileiro permaneceu. Fato é que tudo mudou nos últimos dois anos. A taxa básica de juros (Selic) foi pulverizada de 14,25% ao ano, em 2016, para os atuais 4,5%, a mais baixa da história, e assim a renda fácil, a era do 1% ao mês, acabou. Atualmente, 85% dos brasileiros que investem algum valor o fazem por meio da poupança, acreditando que ainda ganham dinheiro. Ela, porém, rende tão pouco que nem deve bater a inflação em 2020. O mesmo acontece com o Tesouro Direto e os fundos de investimentos privados em renda fixa. “O cenário mudou”, diz a economista comportamental Paula Sauer. “As pessoas vão perceber que não atingirão seus sonhos, seus objetivos, com as aplicações que serviam para proteger o dinheiro da inflação. Acabou o almoço grátis.” Para reconquistar a elevada renda de seus investimentos, o brasileiro terá de arriscar mais e apostar mais alto.

    Milhões de investidores continuam com dinheiro na poupança esperando uma renda fácil. Entre eles está a fisioterapeuta Natália Castro, de 34 anos. Segundo o Banco Central, os depósitos nas cadernetas somaram 2,48 trilhões de reais em 2019. Até o ano passado, porém, mesmo que rendesse pouco, ainda valia a pena manter o investimento. Hoje, não é mais assim. Em 2020, quem depositar 10 000 reais na poupança correrá o risco de sacar, depois de doze meses, um valor que equivaleria a 9 946 reais, descontada a inflação — economistas estimam que a taxa ficará em 3,58% no fim de 2020. Nos últimos anos, Natália conseguiu juntar dinheiro, ter retornos consideráveis com a poupança e com isso conquistar alguns objetivos, como comprar um imóvel e assistir à Copa da Rússia, in loco, em 2018. “Particularmente, tenho consciência de que o retorno da poupança não é bom, mas ainda preciso aprender mais sobre o assunto para poder arriscar mais”, diz ela.

    Tal transição não é fácil. Qualquer mudança involuntária implica certa resistência. O primeiro passo para o investidor transformar o modo como lida com investimentos é elaborar um planejamento, pontuando metas e objetivos. É melhor saber de antemão o que fazer com o dinheiro poupado, o propósito final, e do que se abrirá mão. A partir daí, é necessário estabelecer um prazo em que o dinheiro ficará indisponível, medir a tolerância ao risco e diversificar os produtos numa carteira de investimentos. Com mais risco e dinheiro aplicado por mais tempo, a remuneração tende a ser maior.

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    Uma das aplicações com esse perfil que mais se destacaram em 2019, ao lado da bolsa de valores, foram os fundos de investimentos imobiliários. Aportar capital em imóveis é uma tradição do brasileiro, e investidores começam a procurar esses fundos como alternativa para ter um retorno maior que o da renda fixa tradicional, sem, no entanto, ficar sujeitos ao forte sobe e desce do mercado de ações. Esse ativo, negociado em bolsa na maioria dos casos, possibilita dois rendimentos: um mensal e isento de imposto de renda e o outro com maior chance de ganho com a valorização das cotas. Atualmente, há mais de 250 fundos com cotas negociadas na B3, a Bolsa de São Paulo, que somam valor de mercado de aproximadamente 89 bilhões de reais. Um indicador que mede o desempenho dos principais fundos imobiliários negociados na B3, o Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix), apresentou ganhos de 36% no ano passado — varia­ção acima da do Ibovespa, o principal índice de ações da bolsa brasileira, que conquistou valorização de 31,6% em 2019.

    Foto- ARQUIVO PESSOAL
    RETORNO – Natália na Copa da Rússia: poupança não garantiria a viagem hoje (//Arquivo pessoal)

    Analistas e gestores estão otimistas em relação ao desempenho desses fundos neste ano, principalmente com a recuperação do mercado de escritórios e de shopping centers, que devem ser beneficiados por uma retomada da economia brasileira. “Os preços dos imóveis estavam defasados e, com a volta do crescimento, o mercado imobiliário se valorizou. O setor tem um ciclo aproximado de quatro anos, devido aos prazos de construção. Portanto, como a recuperação começou no ano passado, há espaço para retornos acima de 20% ao longo de 2020”, prevê o economista e CEO da Veedha Investimentos, Rodrigo Marcatti.

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    Especialistas em finanças pessoais, entretanto, orientam os poupadores a não levar em conta apenas o histórico de rentabilidade de um fundo para tomar decisões. Além disso, não é aconselhável manter todos os recursos numa única aplicação, por mais lucrativa que ela esteja hoje. “A aplicação em ações, por exemplo, oferece uma boa oportunidade de ganhos e não é preciso muito dinheiro”, afirma Thiago Salomão, da Rico Investimentos. “Com apenas 10% em ações e os 90% restantes em renda fixa, o ganho final para o investidor vai compensar.” As projeções dos analistas mostram que há pelo menos mais dois anos de resultados positivos para a bolsa e a expectativa é que o Ibovespa se valorize 20% até o fim de 2020. É difícil contar com isso. O fundamental é evitar a opção de “todos os ovos numa só cesta”, diversificando a carteira. Uma coisa é certa: daqui por diante, a renda fixa não será mais a mesma.

     

    Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670

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