Um dos nomes mais influentes da moda no mundo, segundo o ranking BoF 500, o suíço Dominique Oliver, de 36 anos, não está contente em apenas vestir e calçar as mulheres brasileiras. Agora, ele quer fazer parte da rotina delas. Fundador e CEO da Amaro, varejista de roupas e calçados femininos idealizada em 2012, ele vê espaço para ganhar terreno em outras frentes. A empresa, com oferta concentrada no e-commerce, iniciou, nesta semana, uma nova fase, que adicionou ao portal centenas de novos produtos de beleza, bem-estar e de casa e decoração.
Movimento ousado para alguns, o novo posicionamento pode ser visto como uma rota de fuga para categorias que ganham mais espaço no imaginário do consumidor em tempos de quarentena forçada pela pandemia de Covid-19. “Nosso site evoluiu de 6.000 para mais de 10.000 produtos. E isso vai dobrar nos próximos meses. Vamos ter 300 marcas no nosso portal de vendas até o fim do ano. O foco é oferecer tudo que a mulher precisa em um só lugar”, diz ele. Radicado no Brasil e economista de formação, Oliver acredita no potencial do país, mas vê com receio o cenário de incerteza econômica, com a elevação do dólar, inflação e taxa de desemprego.
Qual é o objetivo da empresa com essa ampliação de portfólio? É uma grande novidade para nós. Estamos fazendo uma mudança grande, que impacta o nosso modelo de negócio, a forma como nos comunicamos com as clientes e até o posicionamento institucional da empresa. A principal mudança é que estamos aumentando o nosso escopo para sermos uma marca de lifestyle com essas macrocategorias: moda, beleza e casa e decoração. Nosso site evoluiu de 6.000 para mais de 10.000 produtos. E isso vai dobrar nos próximos meses. Vamos ter 300 marcas no nosso portal de vendas até o fim do ano. Notamos que há um gargalo muito grande no mercado porque os marketplaces horizontais têm muita dificuldade de conseguir vender produtos de lifestyle. E estamos propondo uma nova experiência, com curadoria e facilidade para comprar, receber e devolver. A gente pretende crescer nossas vendas em 50% em 2021.
As novas categorias adicionadas têm produtos de marcas próprias? São marcas de terceiros. A gente não gosta tanto de chamar de seller, e sim de parceiras, porque trabalhamos direto com elas. A ideia não é ter várias marcas vendendo o mesmo produto no nosso site. A gente seleciona elas e faz a parte de entrega e atendimento. Isso nos diferencia do modelo tradicional de marketplace porque o controle fica sempre com a Amaro.
Outras grifes de moda, mesmo mais populares, como Renner e C&A, já vendem produtos de beleza. O que a Amaro está trazendo de diferente em relação à concorrência? A nossa proposta é servir a mulher brasileira em todos os momentos. Algumas redes já têm isso de atuar em outras categorias. A Renner, por exemplo, tem um portfólio grande de perfumes e cosméticos. Mas acho que a nossa seleção é muito diferente. São muito mais marcas disponíveis, que têm produtos de maior valor agregado, mas que não são necessariamente de luxo. A gente busca ter um leque de marcas com foco em sustentabilidade, produtos com ingredientes orgânicos, que tenham um posicionamento a favor da inclusão.
Como a empresa tem trabalhado para superar os percalços da pandemia? O mercado de vestuário, da moda em geral, incluindo calçados, diminuiu, por razões óbvias. O e-commerce, porém, teve um super salto no ano passado, com milhares de brasileiros comprando ou pela primeira vez ou com mais frequência. Como a Amaro já tinha 80% de seu faturamento vinculado ao e-commerce antes da pandemia, é óbvio que ficamos numa situação privilegiada. Conseguimos crescer e mais que dobrar a aquisição de novos clientes a cada mês versus o ano anterior. Como muitas consumidoras eram consumidores de vanguarda, reforçamos o atendimento ao cliente com nossas equipes dos guide shops. As gerentes das lojas físicas assumiram outras responsabilidades, como o atendimento pelo WhatsApp para ajudar a resolver os problemas das clientes. Também investimos em automação para auxiliar, por exemplo, no processo de devolução do produto.
No ano passado, muitos produtores reclamaram da escassez de matéria-prima, o que, em certo momento, começou a impactar o preço dos produtos na ponta. Vocês chegaram a repassar esse aumento de preço para as clientes? O ano passado foi muito esquisito. Nos primeiros meses da pandemia, de março a junho, a grande maioria do mercado, sobretudo as grandes varejistas, pararam de aceitar produtos dos fornecedores, porque estavam com as lojas fechadas e tinham pouco espaço nos centros de distribuição. A cadeia não foi feita para acumular tanto produto parado. Isso, de certo modo, foi bom para nós, porque conseguimos manter o crescimento nas vendas e não interrompemos o recebimento dos produtos. Mas, depois, a cadeia produtiva parou, os fornecedores não importaram mais tecido, e isso impactou nos preços do mercado. Como o real caiu tanto, ficou muito mais caro. Importamos inflação para o país e a Amaro também sofreu com isso. Mais do que repassar custo para o consumidor, sofremos simplesmente com a falta de reposição de produtos. Em alguns casos, não conseguimos preencher todo o nosso estoque como queríamos e perdemos algumas vendas por causa disso.
O país caminha para a temível “estagflação”, aumento da taxa de desemprego e inflação espalhada por diversas categorias. Como o senhor vê isso? Eu fico bem preocupado. Por mais que o e-commerce siga em crescimento, com a migração estrutural do varejo físico para o e-commerce, o que é positivo para a Amaro, o cenário macroeconômico do país me preocupa bastante. Hoje, há tantos pequenos negócios e tantas pessoas sendo impactadas e isso causa danos estruturais para a economia, um cenário do qual não é fácil sair. Eu acho curioso que o Brasil seja um país em que registra inflação assim que a demanda sobe, e isso começa a pressionar a taxa de juros, como já está acontecendo. Eu espero que a gente consiga ter um crescimento modesto este ano para não entrar nesse cenário de estagflação. Olhando para o que aconteceu no passado no Japão e em outros países, é um ambiente difícil do qual sair depois. O governo brasileiro já tem uma dívida fiscal muito alta se comparada ao nível de desenvolvimento do país. Se os juros continuarem subindo, o custo dessa dívida vai aumentar. Com o dólar por volta de 5,30 reais, temos um cenário preocupante.
Hoje, a Amaro dispõe de 16 unidades físicas, que servem como apoio para a operação virtual, em cinco estados. O cenário de incerteza impacta a projeção de novas lojas físicas da marca? É um pouco cedo para falar sobre expansão física. O cenário é tão imprevisível. A gente continua acreditando muito na omnicanalidade (presença em todos os canais) do nosso modelo. Iremos abrir novos guide shops no futuro, mas, hoje, é muito cedo para falarmos sobre isso. Com essas medidas restritivas e a falta de previsibilidade, a gente não tem muito sobre o que decidir hoje. Mas eu espero que daqui a três meses possamos falar de novo e abordar melhor essa questão do varejo físico.
O índice de reajuste dos aluguéis nos shoppings pode ser visto como um empecilho neste momento? É a principal preocupação no momento. O IGP-M [índice utilizado para calcular o reajuste na taxa de aluguel] está completamente alterado em relação ao IPCA. Vamos ver grandes brigas no mercado em relação a isso. Como os custos do canal on-line são menores, acredito que os shoppings precisam ter um pouco de cuidado porque podem acabar perdendo a atratividade se levada em consideração o retorno sobre investimento no médio prazo. Muitos varejistas estão com receio de fechar novos contratos e preferem, neste momento, alocar recursos para desenvolver o canal de vendas on-line.
Com a baixa histórica na taxa de juros, milhões de brasileiros começaram a investir no mercado de ações, o que levou muitas empresas a abrirem capital na bolsa de valores brasileira. Hoje, um IPO é uma possibilidade para a Amaro? O país ainda está no início dessa onda de migração da renda fixa para equity, ações. A bolsa brasileira ainda sente falta de varejistas nativos do mundo digital, que tenham um grande emprego de tecnologia. Por isso, a gente recebe muito assédio. Mas, estamos focados na execução do nosso plano de crescer a empresa. Estamos muito bem capitalizados e enxergamos um cenário de crescimento favorável para os próximos dois ou três anos. Então, IPO não é algo que esteja no radar neste momento.