A Kodak, tradicional empresa no ramo de fotografia, foi uma das maiores vítimas da transformação tecnológica. Com os registros tecnológicos cada vez mais digitais e smartphones com câmeras cada vez mais sofisticadas, a empresa passou a lutar diariamente para sobreviver enquanto tenta se adaptar ao novo cenário.
A pandemia do novo coronavírus, que prejudicou negócios mundo afora, entretanto apareceu com uma luz no fim do túnel para a companhia: um acordo milionário foi fechado com o governo de Donald Trump. O empréstimo de 765 milhões de dólares, anunciado em 28 de julho, não era para financiar os negócios tradicionais da companhia, mas sim para que a empresa produzisse ingredientes para medicamentos.
A Kodak foi escolhida com o apoio de Peter Navarro, conselheiro de Trump. A opção causou estranheza, mas não foi isso que levou à suspensão do acordo, ocorrida no início de agosto. O empréstimo milionário saiu de cena após suspeitas de que a empresa divulgou detalhes da operação que ainda não estava completamente oficializada, o que aumentou o valor de suas ações.
A investigação e a suspensão do acordo ocorrem porque um dia antes de o negócio ser fechado, os executivos da empresa receberam informações privilegiadas sobre as conversas. Os papéis da companhia subiram cerca de 2 dólares, em 27 de julho, para cerca de 60 dólares em dois dias, uma valorização de mais de 1.000%. Porém, as ações entraram em colapso na semana seguinte, quando ficou claro para os investidores que o negócio estava longe de ser concluído, e a Securities and Exchange Commission (SEC), equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), passou a investigar a concessão de empréstimos e opção de ações aos executivos. Em uma carta à SEC, a senadora democrata Elizabeth Warren alertou que mais de 1 milhão de ações da Kodak foram negociadas, cerca de quatro vezes sua média diária. Nesta sexta-feira, 21, os papéis da empresa operam em queda de 7,6%, valendo pouco mais de 6,50 dólares.
O empréstimo agora suspenso provém da Corporação de Desenvolvimento Financeiro Internacional (DFC), agência federal semelhante a um banco que investe em projetos do governo no exterior. Porém, por causa da pandemia de Covid-19, o órgão ganhou em maio a prerrogativa de financiar o projeto para a produção de insumos farmacêuticos nos EUA com objetivo de diminuir a dependência de China e Índia, líderes na produção deste tipo de produto. A escolha da Kodak, entretanto, foi incomum. A empresa foi parar na lista de Navarro como potencial produtora dos insumos com base em uma recomendação de outra farmacêutica americana que negociava com a Kodak a compra de ingredientes de medicamentos, revelou o jornal Wall Street Journal. Apesar de ser sinônimo de fotografia, a empresa possui uma unidade menor que fabrica ingredientes para produtos farmacêuticos e cerca de 17% do faturamento deste ano se deve à produção de insumos químicos.
“Com base no que eu estou vendo, o que aconteceu com a Kodak foram provavelmente as decisões mais idiotas tomadas por executivos na história corporativa”, afirmou Navarro, o grande entusiasta do negócio, nesta semana à rede de TV americana CNBC. No dia 28 de julho, foi assinado um pré-contrato entre o governo americano e a empresa para a formalização do acordo da produção de insumos, porém a concessão do empréstimo em si levaria meses até ser finalizada, e os comunicados da empresa não deixaram claro que era um processo de longo prazo.
A SEC está analisando como a Kodak divulgou as concessões de empréstimos e opções de ações aos executivos. Os legisladores estão examinando o processo de empréstimo e as opções outorgadas a alguns executivos, incluindo James Continenza, presidente executivo da Kodak. Com o cerco da SEC e do Congresso americano com a investigação, a DFC suspendeu o acordo. “Em 28 de julho, assinamos uma Carta de Interesse com a Eastman Kodak. Recentes alegações de irregularidades levantam sérias preocupações. Não prosseguiremos, a menos que essas alegações sejam esclarecidas”, afirmou o DFC.
Em dificuldades devido à pandemia, a Kodak afirmava não ter os requisitos para entrar em qualquer programa de ajuda do governo. A empresa que já havia projetado cortar suas despesas em 40 milhões de dólares, em maio, com os avanços do coronavírus, afirmou que cortaria mais 20 bilhões. Com as dificuldades e a dificuldade de se encaixar nos pacotes de auxílio no governo americano, a empresa investiu pesado em lobby para tentar encontrar alguma oportunidade ou projeto que pudesse trazer dinheiro à companhia. Segundo o Center for Responsive Politics, uma organização sem fins lucrativos que monitora os gastos com lobby, a Kodak gastou 870 mil dólares no segundo trimestre, maior quantia paga pela empresa na atividade desde 2010. Enquanto os lobistas circulavam em Washington, a Casa Branca planejava como subsidiar a produção de insumos farmacêuticos. Os executivos da empresa então apresentaram um projeto para o programa do governo com 17 páginas com o codinome “Projeto Tiger” e um plano de negócios de 96 páginas, de acordo com uma pessoa familiarizada com a Kodak. Ainda segundo o Wall Street Journal, não houve outros candidatos, de acordo com um alto funcionário da administração.
Com a suspensão, a Kodak contratou um escritório de advocacia para fazer uma revisão do acordo e diz que apoia a decisão enquanto as investigações ocorrem. O fato é que a Kodak não ficou bem na foto.