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Como o clima de preocupação com a economia do EUA pode impactar o Brasil

Não bastasse a evolução decepcionante da agenda fiscal, aspectos de ordem política no país embaçam a cena

Por Juliana Elias, Juliana Machado Atualizado em 9 ago 2024, 11h47 - Publicado em 9 ago 2024, 06h00

O sol nem sequer havia nascido para os mercados da Europa, Estados Unidos e Brasil quando gestores e operadores se preparavam para enfrentar a onda de vendas de ativos que começou na Ásia, sem saber ao certo qual seria a sua magnitude. No dia 5 de agosto, a nova “segunda-feira sangrenta” era esperada para as bolsas do Ocidente após o Nikkei, principal índice da bolsa do Japão, cair 12%, arrastando consigo a Coreia do Sul, onde o Kospi tombou 8,77%, e Taiwan, cujo TWII cedeu 8,35%. No fim, as bolsas americanas, que vinham de recordes históricos, encerraram o dia de forma mais calma, mas também no vermelho: o Dow Jones caiu 2,60%, o Nasdaq perdeu 3,43% e o S&P 500 cedeu 3%. No Brasil, o Ibovespa absorveu o choque e fechou em queda de 0,46%. No dia seguinte, todos os índices se recuperaram. A bolsa japonesa teve a maior alta desde 2008, enquanto os índices de Wall Street a São Paulo também subiram, deixando ainda mais perguntas do que respostas: foi uma correção de movimentos exagerados ou uma mudança de rota?

Guardadas as proporções, a história se repete. A queda da bolsa de Tóquio remonta a 19 de outubro de 1987, quando preocupações com a economia global e uma alta de juros pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, motivaram uma das piores turbulências nos mercados financeiros. Naquele dia, a primeira “segunda-feira sangrenta”, o Dow Jones caiu 22% — a maior perda já registrada em um único dia pelo índice desde sua criação, em 1896. O Nikkei, no mesmo caminho, teve baixa de 23%.

Dessa vez, são vários os estopins que explicam a histeria do fatídico 5 de agosto de 2024. Um deles veio do mercado japonês: na quarta-feira anterior, 31 de julho, o Banco Central do Japão (BoJ) subira os juros pela segunda vez desde 2007. A medida levou a um desmonte das operações de carry trade, isto é, quando investidores buscam empréstimos em países com taxas de juro mais baixas para aplicar em ativos de países com juros elevados. Essa estratégia guiou em boa medida a procura tanto por ações de tecnologia e inteligência artificial nos Estados Unidos quanto por títulos de países emergentes. Com o BoJ corrigindo o rumo, investidores precisaram correr para cobrir suas posições, levando à queda das bolsas e à fuga da moeda americana para o iene, que atingiu o maior nível desde janeiro. O VIX, índice que mede a volatilidade da bolsa de Nova York e serve como uma espécie de “termômetro do medo” dos investidores, encerrou em alta de 65%, mas chegou a disparar 181% na sessão. No Brasil, o dólar alcançou 5,87 reais.

TRABALHO - Balcão de emprego nos Estados Unidos: menos oferta
TRABALHO – Balcão de emprego nos Estados Unidos: menos oferta (Allison Joyce/Bloomberg/Getty Images)

“No Japão, o maior risco é a desancoragem das expectativas de inflação, e o BoJ teme que vire uma espiral inflacionária”, afirma o economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Barros. “O banco precisa subir o juro, e isso significa pressão adicional para moedas emergentes e para o dólar.” Do outro lado do mundo, nos Estados Unidos, dados de emprego divulgados na sexta-feira 2 mostraram uma geração de vagas mais fraca e um aumento da taxa de desemprego mais alto do que o esperado. O relatório conhecido como Payroll, pela primeira vez em muito tempo, equiparou-se a outro relatório local, o Jolts, que já apontava um mercado de trabalho com redução do vigor. Diante disso, ganha força a leitura de que o esfriamento da atividade abre espaço para o tão aguardado afrouxamento monetário. “Uma redução de juros poderá estar na mesa na reunião de setembro”, disse Jerome Powell, presidente do Fed, na semana passada.

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O problema é que um “pouso forçado” da economia americana, ou seja, uma recessão, em vez de uma desaceleração suave, assombra investidores há tempos. Isso promoveria a saída de capital de diversos mercados e destruiria a lucratividade das empresas — um medo que pautou em boa medida a forte reação vista no Oriente na segunda-feira. Alguns economistas classificam o movimento como exagerado, mas não se pode negar que o debate continua aberto entre os especialistas. “Recessões são um processo cumulativo, não um evento, e já havia sinais de desaceleração da economia dos Estados Unidos há vários meses”, diz Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central do Brasil e professor da Universidade Georgetown, em Washington. Ele menciona pioras gradativas em indicadores como os de inadimplência, em alta, e da renda, que não cresce, mas que acabaram ofuscados por meses de geração de emprego forte e uma inflação resistente. Esses elementos atrasaram a tarefa do Fed de baixar os juros. “Havia uma ala dos analistas que olhava para essa desaceleração e dizia que o Fed já tinha perdido a hora de cortar os juros, mas era uma minoria. Com os dados divulgados na semana passada, esse grupo ficou maior”, completa Volpon.

ALÍVIO - Powell, do BC americano: mais perto do corte de juro
ALÍVIO – Powell, do BC americano: mais perto do corte de juro (Kevin Dietsch/Getty Images)

A todo esse ambiente se somou uma temporada de balanços sem brilho das companhias de tecnologia — justamente aquelas que vinham puxando os recordes em Wall Street. A correção, então, veio a galope. A Apple, por si só, liderou as baixas, também em resposta à decisão do megainvestidor Warren Buffett, da gestora Berkshire Hathaway, de se desfazer de quase metade da sua posição na companhia. Mas quase todas as big techs americanas foram atingidas. As chamadas “sete magníficas” tiveram uma perda de valor de mercado conjunta de 400 bilhões de dólares em apenas três pregões. “O mercado está em um processo normal de reavaliação da tese de inteligência artificial”, diz Luis Otavio Leal, economista-chefe da gestora G5 Partners. “Acredito que possa haver uma correção, mas apenas um movimento natural do investidor de embolsar ganhos na Nvidia, por exemplo, e comprar small caps (empresas menores na bolsa), que ganham mais com a queda dos juros.”

NA MESA - Diretoria do Banco Central: incerteza sobre o comando e o roteiro da instituição
NA MESA – Diretoria do Banco Central: incerteza sobre o comando e o roteiro da instituição (Raphael Ribeiro/BCB/.)

Dentro desse cenário, o Brasil é um agente passivo e está mal posicionado, com capacidade limitada para aproveitar algumas benesses que a redução de juros americanos poderá trazer. “A nossa política monetária depende quase na totalidade das atitudes locais, que é o que explica o Brasil ter passado a maior parte do ano na contramão”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho de administração da gestora JiveMauá. Entra na conta doméstica o desarranjo das contas públicas federais, com gastos que não param de aumentar, um governo que resiste ao controle, um déficit que segue comendo os ganhos de receitas e uma dívida que continua crescendo. “É por isso que já vínhamos numa deterioração geral das expectativas, com projeções da inflação para cima, taxa de câmbio mais alta e a bolsa caindo”, diz Figueiredo.

arte economia

Não bastasse a evolução decepcionante da agenda fiscal, aspectos de ordem política no Brasil embaçam a cena. Nos últimos dias, o futuro do BC voltou a ser assunto em voga, após rumores de que o presidente Lula deverá escolher ainda neste mês quem substituirá Roberto Campos Neto no comando da instituição em 2025. Trata-­se de mais um ponto de tensão e de incerteza quanto à nossa necessidade de uma boa correção.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905

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