Homens de negócios que costumam acompanhar eventos protagonizados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, têm se surpreendido com a performance do economista diante das plateias nas últimas semanas. Como um animador de programa de auditório (ou de palanque), incita os presentes: “Queremos uma economia fechada ou aberta?”. O público, com ares de claque, responde: “Aberta!”. Embalado, o ministro segue: “Mais impostos ou menos? Mais gastos do governo ou menos? Os gastos devem ser para a área social ou para favores privados?”, sempre esperando as respostas, óbvias, da audiência. Nas últimas semanas, a cena se repetiu pelo menos três vezes, a última delas no fim da tarde da quarta-feira 14, em evento para setor de varejo, em São Paulo. Pela manhã, o ministro havia participado de uma reunião a portas fechadas na sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro, na capital fluminense, onde disparou: “Liberais e conservadores estão juntos porque, do outro lado, está o capeta”.
O discurso inflamado torna explícito o engajamento definitivo de Guedes na campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Em 2018, apelidado com a alcunha de Posto Ipiranga, ele encarnou o papel de fiador da política liberal do futuro governo e ocupou o centro dos debates em torno da economia. Agora, ele volta aos holofotes para defender as realizações da gestão e, principalmente, apontar os riscos de ruptura caso o petista Luiz Inácio Lula da Silva vença a disputa. A pessoas próximas, o ministro costuma dizer que não houve nenhuma espécie de convocação ou orientação por parte da campanha para exercer esse novo papel e sua atuação se dá “por conta própria”. Em alguns momentos, porém, atende a pedidos do presidente. Durante os atos do 7 de Setembro, por exemplo, compareceu às solenidades oficiais de Brasília pela manhã — presença que classificou como “protocolar e institucional”. Mas não participou do ato político eleitoral que se seguiu ao desfile militar e muito menos foi às manifestações no Rio de Janeiro. Bolsonaro também o levou para os estúdios da TV Globo, para a sabatina no Jornal Nacional, onde declarou que “os números da economia são fantásticos”.
Com pauta, abordagem e plateia escolhidos pelo ministro, os encontros costumam ser qualificados por alguns críticos e opositores como pregação para convertidos. Mas Guedes diz que são importantes para manter a “chama acesa” e também como forma de tentar neutralizar as iniciativas da campanha petista de aproximar-se do empresariado, principalmente por meio do vice da chapa, Geraldo Alckmin (PSB). O ex-governador de São Paulo tem demonstrado grande desenvoltura ao circular por eventos de associações e entidades de classe e buscar aproximação com o agronegócio. Nessas situações, se apresenta como o “copiloto de Lula” para a economia e defende um viés mais centrista e responsável do ponto de vista fiscal.
Em suas perorações Brasil afora, Guedes conta, de fato, com bons números para apresentar. O PIB do segundo trimestre cresceu 1,2%, acima das expectativas do mercado. Em julho e agosto, houve deflação no IPCA — e pode vir outra em setembro, refletindo principalmente a queda no valor dos combustíveis. O desemprego recuou para menos de 10%, com recorde de 98 milhões de pessoas ocupadas. No entanto, ao contrário do que esperavam o governo e os políticos próximos do presidente, as conquistas e feitos, como o aumento do Auxílio Brasil para 600 reais, não se traduziram em dividendos eleitorais no ritmo esperado. Em levantamento feito pelo BTG Pactual e Instituto FSB Pesquisa, 62% dos eleitores afirmavam, no fim de abril, que a economia estava vivendo um momento ruim. O índice baixou para a casa dos 50% em agosto, onde estacionou desde então. “A hipótese sobre essa estabilidade na percepção da economia é que ela está melhor do que antes, mas que ainda não está boa”, afirma Marcelo Tokarski, sócio-diretor do Instituto FSB Pesquisa.
Há explicações, do ponto de vista econômico, para esse fenômeno. A deflação dos últimos dois meses, que fez a inflação acumulada em doze meses baixar de 11,89% para 8,73%, por exemplo, foi muito concentrada em poucos itens. Enquanto a gasolina recuou 9,20% e o etanol, 10,39%, o custo da alimentação cresceu 13,43%. “A deflação é sentida por famílias de alta renda, por causa do combustível e da energia. Mas os mais pobres não consomem gasolina e já tinham subsídios na conta de luz”, diz o economista André Braz, especialista em inflação da FGV-Ibre. Da mesma forma, a leve melhora do rendimento real do trabalho neste ano se contrapõe ao índice recorde de 79% de famílias endividadas, sendo que 29% estão com dívidas em atraso. Benefícios como o Auxílio Brasil e outros programas de cunho social, por outro lado, costumam levar mais de dois meses para ter impacto na imagem do governo que os concede. A expectativa da campanha de Bolsonaro é que levar a disputa ao segundo turno permitirá aos eleitores ter uma melhor percepção dos ganhos econômicos da gestão. Até lá, o ministro Paulo Guedes terá trabalho extra.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807