Pode parecer que toda a batalha em torno da construção do Orçamento deste ano surgiu repentinamente quando o texto foi aprovado no Congresso. Mas o imbróglio vem sendo gestado há um longo tempo. Elevado a representante do governo no Senado, o relator do projeto, Marcio Bittar (MDB-AC), foi também o parlamentar responsável pela construção da PEC Emergencial, que permitiu ao governo a liberação de 44 bilhões de reais fora do teto de gastos para a reedição do auxílio emergencial. Nas costuras, ainda no ano passado, para a retomada do programa assistencial, Bittar sugeriu ao presidente Jair Bolsonaro que inserisse no texto também que os recursos destinados ao Bolsa Família ficassem de fora dos limites de gastos do governo.
“Para não parar investimentos e não travar a máquina, precisava de 30 bilhões de reais. De onde tirar? Propus alternativas ao ministro, ao presidente Bolsonaro, ao [presidente da Câmara] Arthur Lira. Por que não excepcionalizar do teto de gastos os programas de transferência de renda este ano, o Bolsa Família? Disse a eles que, como relator, me sentiria mais confortável”, diz o senador a VEJA.
“Demos dinheiro para todos os municípios extrateto, aumentamos o Fundeb também fora do teto. Por que não pagar o Bolsa Família fora do teto?”, defendeu. A ideia causou desespero do chefe da Economia, Paulo Guedes, e o mercado também não a recebeu bem, com instabilidade na bolsa. O ministro, então, procurou a cúpula do MDB no Senado. Em uma reunião que envolveu os senadores Eduardo Braga (AM) e Fernando Bezerra (PE), pediu para que o partido se movimentasse para impedir a retirada do programa da PEC. Foi atendido. Mas a conta da concessão chegou. Em forma de mais emendas parlamentares.
Como mostra VEJA em edição desta semana, auxiliares do ministro afirmam que o acordo da equipe econômica com os congressistas em relação ao Orçamento envolveu a liberação de 16,5 bilhões de reais em emendas parlamentares, elevada para 26,5 bilhões de reais no texto de Bittar, para a fúria do ministro. A necessidade da explosão de verbas aconteceu porque os novos presidentes da Câmara e do Senado, eleitos este ano, precisam cumprir as promessas de suas campanhas em troca de apoio. Agora, temem desagradar os seus apoiadores, caso as emendas sejam fortemente cortadas.
A conta, no entanto, não fecha e a peça de Bittar ainda excluiu gastos obrigatórios com Previdência e outros benefícios sociais. O texto aprovado pelo Congresso Nacional estoura em 31,9 bilhões de reais o previsto pela regra de controle de dispêndios do governo federal, pelas contas do Instituto Fiscal Independente. A ameaça de crime de responsabilidade balançou Bolsonaro, que vive entre a cruz e a espada para sancionar ou não o projeto, na tentativa de agradar aos parlamentares em meio às pressões envolvendo a instalação da CPI para investigar a conduta do governo na gestão da pandemia.
A solução não é simples. Para não se indispor com o Centrão, Bolsonaro nem cogita cortar as emendas parlamentares insufladas no Senado. Mas, sim, achar soluções para arcar com as demandas do Congresso. Guedes gestou uma PEC para liberar 35 bilhões de reais fora do teto de gastos para obras e gastos que envolvam o combate à Covid-19. Mas não há consenso nem mesmo dentro do governo, pela dificuldade de tramitação do projeto e porque seria difícil justificar a manobra como uma necessidade que surgiu de surpresa. Outras vozes tentam convencer o presidente que não haverá crime assinar o Orçamento como está — foi levada a ele até a exótica proposta de que ele e o vice-presidente se ausentem do país, para permitir que Lira assuma interinamente a presidência e assine a peça. “Se o Congresso não pode estimar o Orçamento, não é crime, senão era só o Congresso Nacional carimbar. Do ponto de vista técnico, não há nenhum crime. Não vejo problema na construção da peça. Se há um imbróglio político, tudo bem, mas não há questão técnica alguma, estou seguro”, diz Bittar. Bolsonaro terá até o dia 22 para tomar uma decisão pela sanção ou veto do texto, e encontrar soluções que não desagradem fortemente a ninguém.