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Deflação, dólar alto e crise política: grandes desafios do Banco Central

Alimentos caros, demais setores em crise e instabilidade política são fatores em voga para que o Banco Central mantenha os cortes nas taxas de juros

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 14h48 - Publicado em 28 abr 2020, 12h58
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  • O cotidiano de Roberto Campos Neto foi virado do avesso nos últimos meses. Desde o desembarque do coronavírus no país, as perspectivas e atuação do presidente do Banco Central ganharam novas diretrizes. Se antes as apostas sobre as reuniões do Comitê de Política Econômica, o Copom, já eram acirradas, as especulações quanto ao comportamento da instituição em sua sina dos cortes das taxas básicas de juros, a Selic, ganharam novos elementos. Nesta terça-feira, 28, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados atualizados de inflação no país, por meio do IPCA-15, que mede o comportamento dos preços nos últimos 15 dias e serve como prévia dos números oficiais. O país registrou a primeira deflação de 0,01%, quando, em média, os preços recuam, desde 1994.

    Por mais que o aumento de preços não seja bom, o cenário traçado pelo índice não traz novas alvissareiras. O indicador foi puxado para baixo pela retração do preço dos combustíveis, com a gasolina recuando 5,41% e o etanol, 9,08%, entre as últimas duas semanas de março e as duas primeiras de abril, mas por um motivo sórdido: as pessoas, em sua maioria, não estão saindo de casa, os aviões estão estacionados nos hangares e o consumo de combustível sofreu um baque desolador para as contas do país. “A economia do país é muito dependente do preço das commodities. Com a queda do preço do petróleo, aumenta o risco de um problema fiscal para o país”, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton.

    A deflação do IPCA-15 só não foi maior porque o preço dos alimentos subiu 2,46%, com pressão na alimentação dentro de casa. Os demais setores, por sua vez, tiveram recuo expressivo, mesmo com as pessoas em casa. Como o cenário é de incerteza para todo mundo, empregados e empregadores, e muitos estados e municípios mantêm decretos de proibição de comércios e serviços não essenciais, a população brasileira está evitando (ou impedida de) comprar aquilo que não seja estritamente necessário. “A gente percebe o mal estar do momento atual. Os preços de alimentação em domicilio subiram muito e os de artigos domésticos caíram fortemente. Ninguém está comprando televisão, por exemplo. O índice mostra esse caráter interessante, o cenário do que está acontecendo agora”, completa Perfeito.

    O que me preocupou foi que alimentação veio muito alto. Um número extremamente elevado, disseminado entre muitos itens diferentes”, diz Mauro Rochlin, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele exorta sua preocupação quanto ao comportamento dos preços de artigos fundamentais, ainda mais neste momento. “Causa alguma preocupação, porque são aqueles itens que têm um peso relevante nas contas das famílias, ainda mais agora, e estão com a demanda muito forte”, diz ele. De fato, enquanto os artigos, digamos, menos necessários apresentam queda nos preços, alimentos dos mais básicos sofreram pressão significativa, num cenário em que muitos empregados foram demitidos ou tiveram seus vencimentos reduzidos, empresários não vendem e rentistas têm queda nas entradas. Com as medidas de distanciamento social, muitas pessoas estão trabalhando de casa ou sem trabalhar, o que pressiona os preços de alimentação dentro de casa, já que esse consumo é maior. O preço da cebola avançou gritantes 35,79%, enquanto o do tomate acelerou 17,01% em comparação ao mês anterior. A batata-inglesa passou de uma queda de 1,02% em março para alta de 21,24% em abril. A cenoura registrou variação positiva pelo quarto mês consecutivo, de 31,67%, acumulando no ano alta de 102,71%.

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    Neste cenário, aumenta a pressão para que o BC continue seu ciclo de cortes nas taxas de juros. Hoje, a Selic está em 3,75% ao ano, o menor patamar da história. É praticamente consenso entre os economistas a tendência de que a instituição responsável pela política monetária do país proceda novas ceifadas na Selic. A expectativa compreende que a alíquota atinja patamares até mesmo menores do que 3% ao fim do ano. No curto prazo, a medida é positiva, exatamente para não pressionar os preços para os consumidores em um momento de aperto. Para as saídas da crise, porém, os cortes podem ser extremamente prejudiciais. Com a produção parada, contas na berlinda e as políticas corretas de isolamento social, vai demorar um tempo para que o brasileiro volte a consumir com vigor. E, quando voltar, vai depender da disponibilidade de produtos nas prateleiras, o que pode pressionar os preços. “Com o fim da paralisação, a demanda vai voltar a ter algum impacto nos índices inflacionários, mas minha dúvida envolve a capacidade de reação da produção”, disserta Rochlin, da FGV. “Num primeiro momento, os empresários vão evitar contratar, porque as expectativas não são as melhores quanto à economia”, diz ele. 

    A equação entre consumo, a alta do dólar e atratividade do país para investimentos externos está na ponta do lápis de Campos Neto. Com a queda nas taxas de juros nos Estados Unidos, que beira a alíquota zero, tornaria o Brasil mais interessante para investimentos a longo prazo, mesmo com taxas baixas. A instabilidade política das últimas semanas, com a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, as incertezas quanto à política econômica perante o futuro do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o flerte com a irresponsabilidade fiscal e aumento dos gastos públicos fazem os investidores estrangeiros evitarem ao máximo colocar dinheiro no país, temendo o cenário (ainda mais) catastrófico. Tanto que o aceno público do presidente Jair Bolsonaro às políticas do ministro nesta segunda-feira 27 fizeram o mercado reagir com mais otimismo, quando o Ibovespa fechou em alta de 3,86%, aos 78.238,60 pontos na segunda e nesta terça, às 13h, marca outra alta de 3,24%, alcançando 80.773 pontos. “As incertezas políticas foram o principal elemento para a saída do capital financeiro do Brasil desde o ano passado”, diz Rochlin. É, no mínimo, plausível que Campos Neto esteja dormindo mal. 

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