A instabilidade provocada pela turbulência emanada de Brasília nas últimas semanas lançou o Ibovespa em uma fase de altos e baixos e impactou as ações de diversas empresas. Um grupo em particular, ligado ao setor de tecnologia, acendeu um sinal amarelo entre analistas e investidores por suas perdas. A Méliuz, empresa de serviços financeiros digitais, a fabricante e distribuidora de produtos Multilaser, a Mosaico, de sites de pesquisa de preços, e a Mobly, de venda de móveis pela internet, registraram, respectivamente, perdas de 42%, 28%, 26% e 18% em seus papéis no último mês. A Enjoei, que conecta vendedores e compradores de produtos usados, caiu 25% no período, enquanto a GetNinjas, de serviços e reparos residenciais agendados on-line, baixou 13%. Todas elas são novatas na bolsa, chegaram embaladas em altas expectativas e hoje sofrem para entregar os resultados esperados pelos investidores.
O baque foi tamanho que virou tema de discussão no mercado se a onda de aberturas de capital na bolsa teria trazido exemplos do que os iniciados chamam de fake tech ou tech washing. Os termos em inglês têm origem nas expressões fake news e green washing (ou maquiagem verde, ligada ao marketing exagerado em torno da sustentabilidade) e são usados para definir modelos de negócios em que o apelo tecnológico não é tão sólido ou inovador quanto promete. Nesse sentido, o solavanco registrado entre as tecnológicas brasileiras seria o resultado de uma decepção do mercado com a performance das companhias de um setor superestimado. “O cenário de juros baixos levou à criação de bolhas localizadas que agora estão desinflando. Tem uma moda mundial, no Brasil inclusive, de investir em empresas de tecnologia. Na minha visão, muitas empresas não têm nada disso”, avaliou o gestor Guilherme Aché, fundador da Squadra Investimentos, em uma live realizada há duas semanas.
Um dos fenômenos mais marcantes da pandemia foi a brutal expansão das chamadas big techs americanas (basicamente Google, Apple, Amazon e Facebook), cujos papéis multiplicaram de valor e levaram a Nasdaq, a bolsa de tecnologia dos Estados Unidos, a alcançar patamares inéditos. Ao mesmo tempo, os lockdowns e o isolamento social provocaram uma mudança radical no setor de comércio e serviços digitais. Nada mais natural que, por aqui, as companhias brasileiras aproveitassem a onda. O problema é que, diferentemente do que ocorreu lá, a maior parte das empresas ainda está em fase de implementação e desenvolvimento das tecnologias. “Nem todas as empresas vão conseguir de fato fazer essa transformação”, diz Gustavo Araújo, CEO do Distrito, consultoria de projetos digitais que atualmente presta serviços para aproximadamente setenta empresas, mais de vinte delas com capital aberto na B3. As que conseguem costumam levar tempo, o que exige paciência e atenção do investidor.
Uma classificação feita pela consultoria E-Consulting Corp divide as empresas em diferentes estágios de desenvolvimento digital. A categoria um, chamada de “nativas digitais”, enquadra as empresas baseadas em plataformas específicas e que são em si mesmas uma tecnologia, como é o caso do Uber. A dois, chamada de “usuária de tecnologia”, reúne companhias que se valem da tecnologia de forma agressiva no seu modelo de negócios, a exemplo da Magazine Luiza. A três, chamada de “vendedora de tecnologia”, se refere às empresas que comercializam produtos e serviços tecnológicos próprios, como a IBM. “Se uma empresa usuária ou vendedora de tecnologia se autointitula como nativa digital ao abrir seu capital na bolsa, está fazendo tech washing”, explica Daniel Domeneghetti, CEO da E-Consulting Corp. Os limites entre essas categorias são tênues, uma vez que todas as empresas hoje utilizam tecnologia. Porém, apenas uma minoria tem nela o cerne do seu negócio. Fazer uma transição de modelo ou construir plataformas que gerem impacto no mercado é tarefa árdua e de longo prazo. Os algoritmos são capazes de feitos notáveis, mas essas realizações não incluem milagres.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753