Era ainda 2020, início de dezembro, quando um grupo de 40 investidores, liderados pelo Credit Suisse, despejou 1,3 bilhão de reais no C6 Bank. Nascia mais um unicórnio brasileiro. Unicórnio é aquela figura no mundo das startups que vale mais de 1 bilhão de dólares. Tem uma razão de ser para o sucesso rápido. Com apenas dois anos de vida, o banco já atende mais de 4 milhões de clientes. É inovador. Adota o modelo zero tarifas. Tem uma parceria com a TIM, uma das maiores operadores de telefonia do país. Oferece produtos diferenciados. É banco e não apenas uma instituição de pagamentos como outras fintechs. Há quem veja o C6 com potencial para competir de frente e até mesmo superar o Nubank, a fintech que é hoje a sexta maior instituição financeira do país em número de clientes.
Mas a imagem positiva está sendo ameaçada pela primeira grande crise envolvendo a instituição. O banco está sendo acusado de conceder empréstimos consignados a aposentados que não autorizaram a transação, cobrando ainda juros acima dos de mercado. São milhares de reclamações no Banco Central, outras tantas no Ministério da Justiça, diversos processos na Justiça e centenas de reclamações no Procon de São Paulo, o que levou a entidade a aplicar uma multa de mais de 7 milhões de reais contra o banco. O INSS, responsável por gerenciar o crédito consignado, chegou a notificar o banco pedindo providências e ameaçando tirar a permissão para fazer este tipo de empréstimo.
Diante de tantas acusações, a escolha do C6 foi o silêncio. Procurado por VEJA, o banco informou que não comentaria a multa do Procon. Questionado sobre as constantes reclamações, comentou, por meio de sua assessoria de comunicação, que tem 10% do mercado de consignado no País, que as vendas são feitas por meio de correspondentes bancários e que, quando detectam problemas, tiram o cadastramento para o correspondente operar. O problema é que os problemas estão sendo detectados há meses. Não apareceram de repente.
O advogado especialista em causas bancárias João Antonio Motta diz que o caso do C6 é explicitamente um exemplo de mau uso dos dados dos clientes. Ele conta que é comum créditos consignados serem concedidos apenas com o CPF do cliente. Alguém liga para um aposentado, fala que ele pode receber tal valor em dinheiro na conta e, quando a pessoa pergunta como funciona, o atendente pede o CPF. Para Motta, o grande problema é que essas empresas trabalham com metas e por isso muitos funcionários podem se desviar do seu caminho.
Fernando Capez, diretor do Procon de São Paulo, diz que a entidade recebeu mais de 600 reclamações de aposentados dizendo que não autorizaram os empréstimos. Quando o dinheiro caía na conta e o cliente reclamava com o C6, não tinha atendimento. Além disso, era cobrado com multa e juros. Segundo Capez, o C6 alega que havia a assinatura dos clientes nos contratos. Os clientes, por sua vez, dizem que a assinatura é falsa. O caso será agora enviado para o departamento de crimes contra o consumidor do Procon para uma análise grafotécnica das assinaturas. “O C6 diz que não sabe, que podem ser alguns terceirizados. Isso pouca importa porque o banco tem responsabilidade solidária”, diz.
As informações repassadas pelo INSS dão conta de que o C6 não tem Acordo de Cooperação Técnica, necessário para fazer as operações junto com a instituição. Mas, em agosto do ano passado, o C6 comprou o Ficsa, este sim um banco autorizado a fazer as operações. De qualquer forma, o INSS diz que a instituição não aparece entre as que tem maior número de reclamações. “Mas, independente da situação, o INSS solicitou ao C6 Bank um plano relacionado à redução das demandas de reclamações relacionadas a consignado, inclusive com a possibilidade de rescisão do ACT com o Ficsa-C6, em caso de não apresentação ou descumprimento de cláusulas do acordo”, diz.
Se o C6 Bank não está no topo da lista das reclamações do INSS, o banco está no topo do ranking de reclamações do Banco Central. Em números absolutos, é a instituição com o maior número de reclamações: 7.802 reclamações. Se levado em conta o número de clientes pelo número de reclamações, o C6 está em segundo lugar na lista do grupo secundário de bancos e financeiras do BC. A maioria esmagadora das reclamações é por conta do crédito consignado. O BC não se manifestou sobre quais providências vai tomar.
As fintechs prezam muito sua imagem no que diz respeito ao atendimento ao cliente. Boa parte dos fundadores dessas empresas comentam que decidiu fundar seu negócio como forma de trazer uma alternativa ao atendimento que recebia dos grandes bancos. O C6, que foi fundado por ex-sócios do banco BTG Pactual, um banco voltado para o atacado, enfrenta uma crise comum há anos nas instituições tradicionais e com muitos clientes. Depois do aporte que recebeu de seus investidores, a fintech está com bala na agulha para crescer aceleradamente. Precisa, agora, evitar os problemas desse crescimento.