Entraves no Congresso e no STF impõem desafios à agenda econômica
A missão é quase impossível: com o discurso aloprado de Jair Bolsonaro, a equipe de Guedes encontra barreiras para salvar um projeto já muito desfigurado
Posicionado na segunda fileira de autoridades que acompanhavam o presidente da República, Jair Bolsonaro, na cerimônia de hasteamento da bandeira no Dia da Independência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, participou apenas da parte mais simbólica e protocolar do 7 de setembro, ao lado do chefe do governo. Nos eventos seguintes, enquanto colegas de ministério seguiram ao lado de Bolsonaro em seus discursos incendiários em Brasília e São Paulo, Guedes se manteve afastado. No fim daquele feriado tumultuado, o responsável pela gestão econômica do país sabia que seu trabalho daqui para a frente havia ficado muito mais complicado, ou mesmo impossível.
Ao se manter afastado das diatribes autoritárias de Bolsonaro, Guedes tentou se preservar e manter a pauta econômica longe dos delírios presidenciais. O ministro sabe que o acirramento da crise política é péssimo para a economia e prejudica a atração de investimentos cruciais para o país em sua retomada pós-pandemia. “Quem está ganhando dinheiro em dólar no exterior nem pensa em trazer o dinheiro para o país, justamente por causa dessa instabilidade”, diz um auxiliar do ministro. Pelos cálculos do próprio governo, a cotação natural da moeda americana seria de 4,50 reais, e não os 5,30 reais alcançados na quarta-feira 8 — alta de 2,93% desde segunda 6, a maior desde junho de 2020. O Ibovespa caiu 3,78%, algo que não se via desde março, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou elegível.
Dias antes da confusão verde e amarela patrocinada por Bolsonaro, os desafios de Guedes já se mostravam complexos. O seu aliado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, conseguiu a aprovação da reforma do imposto de renda, uma vitória notável para uma medida polêmica, bombardeada por economistas, mercado financeiro e tributaristas. Apesar de a reforma ter sido apresentada pela equipe de Guedes, o texto foi bastante modificado em sua tramitação por deputados próximos de Lira, que negociou diretamente as mudanças com os congressistas, sem realizar nenhuma consulta ao ministro ou a sua equipe — mesmo com os pedidos feitos nesse sentido por Guedes.
Poucas horas antes da conquista de Lira na Câmara, outra medida cara a Guedes, a minirreforma trabalhista, havia sido abatida no Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Os dois movimentos quase que simultâneos ilustram quanto o prestígio de Guedes se agastou em um cenário pouco favorável. Além de ter de lidar com a vaidade de Lira que tenta se projetar como novo artífice da agenda econômica, há a resistência de Pacheco, cujo nome começou a ser cotado como um possível candidato à Presidência nas eleições de 2022. Após o destempero de Bolsonaro contra os seus opositores, o clima ficou ainda mais azedo. “Pacheco se tornou um inimigo e já é alvo das tropas bolsonaristas”, avalia o jurista Miguel Reale Jr., autor dos pedidos de impeachment dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Fernando Collor. Não à toa, horas depois dos acontecimentos de terça-feira, o senador cancelou a agenda semanal do Senado, alegando que o momento não era propenso para a discussão de nenhum projeto.
Em princípio, a decisão pode contribuir para os ânimos arrefecerem. Mas, do ponto de vista da economia, o presidente do Senado deixa explícito o rigor que será dispensado aos projetos governistas. “Aprovamos recentemente a capitalização da Eletrobras, a nova Lei de Licitações e a nova Lei de Falências. Vamos avaliar nos próximos dias a privatização dos Correios e o marco legal das ferrovias. A única condição é a boa qualidade da agenda econômica”, disse Pacheco a VEJA. “Se for bom, aprovamos. Se não for, rejeitamos, com a independência própria de uma Casa de quase 200 anos.” Em uma tentativa de consertar o estrago, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), passou a manhã de terça reunido com Pacheco. Fez um apelo para que a Casa agilizasse os projetos de autoria de Guedes. Disse a pessoas próximas ter “a impressão de que será atendido”. Aliados de Pacheco, porém, apontam ser nula a chance de a reforma do IR prosperar no Senado.
O pior é que a batalha de Guedes no Senado nem deve ser a mais complicada das que terá pela frente. Ele precisa encontrar uma solução jurídica para a obrigação do pagamento de quase 90 bilhões de reais em precatórios, dívidas judiciais, que vencerão em 2021. O valor é 40 bilhões de reais superior ao deste ano e inviabilizará qualquer investimento maior em um momento decisivo para o governo. Sem o dinheiro, o grande projeto para levantar a popularidade de Bolsonaro, o aumento do Bolsa Família, se torna extremamente complexo.
O caminho mais fácil para desarmar a bomba seria um acerto com o Supremo Tribunal Federal (STF), a instância mais atacada por Bolsonaro em seus discursos. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, vinha articulando junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) para repassar parte dos pagamentos de precatórios para anos posteriores. Hoje essa solução parece remota. A alternativa anterior de Guedes era uma proposta de emenda constitucional (PEC) de parcelamento das dívidas, que já foi mal recebida pelo Congresso. Sem saída dentro do Orçamento, o maior risco, segundo o Ministério da Economia, envolve o não cumprimento do teto de gastos, que em última análise pode levar o presidente a ser acusado de irresponsabilidade fiscal, o que o coloca na zona de risco do impeachment. Manter a distância da confusão no dia 7 de setembro foi um sinal de equilíbrio do ministro. Mas vai ser preciso muito mais que isso para salvar seu projeto econômico já bastante desfigurado.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755