Dólar: reformas e privatizações são as armas para conter o câmbio
Somente a agenda econômica com vento em popa permitirá que o Brasil volte ao radar de investidores externos — o que daria fôlego ao real
No dia em que o brasileiro assistiu ao dólar decolar para 4,50 reais, as perspectivas não são as melhores. A partir desta quinta-feira, 27, é imaturo pensar em um cenário no qual a moeda americana volte para os patamares próximos de 4 reais. Depois da festa do Carnaval e das notícias vindas da Europa, principalmente da Itália, o mercado brasileiro sucumbiu, junto dos internacionais, com o espraiar do coronavírus no continente europeu. A confirmação do primeiro caso da doença no Brasil, na noite da terça-feira de Carnaval, impulsionou o pânico no mercado brasileiro. Mas a culpa do dólar nas alturas não é só da cepa viral batizada de Covid-19.
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, a política expressa do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e endossada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é de espremer as taxas de juros aos menores patamares possíveis e aprender a conviver com o câmbio mais alto. O ciclo de cortes assumido pelo BC forçou o mercado a precificar a moeda americana para algo entre 4,15 e 4,20 reais. Era uma escolha. E foram por água abaixo as previsões, pouco fundamentadas em evidências, feitas por economistas ainda em 2018, de que o dólar pudesse cair para um patamar próximo de 3,50 reais. Com o dólar valendo mais, Guedes queria atrair capital para investimentos a longo prazo, como de infraestrutura, depois de a Lava Jato ferir de morte as empreiteiras brasileiras — com razão, ressalte-se.
A disparada do dólar começou em agosto de 2019. O mercado tentava digerir os dados fracos da economia brasileira, o início do processo de impeachment de Donald Trump — que foi enterrado pelo Senado americano neste ano — e o desfecho da guerra comercial travada entre China e Estados Unidos. Para controlar a volatilidade da moeda americana — mas sem influenciar sobremaneira a sua tendência de alta, irrefreável — o Banco Central voltou a utilizar uma tática que não era vista desde 2009, época do estouro da bolha imobiliária nos EUA: a realização de leilões diários de dólar à vista. Em resumo, o BC passou trocar os dólares das reservas internacionais por reais para tentar aumentar a oferta da moeda estrangeira dentro do país.
O vírus pegou todo mundo de surpresa no começo deste ano, mas a inércia do governo em apresentar reformas que desanuviem as contas públicas e simplifiquem o sistema tributário são entraves para que o brasileiro volte a ver a moeda americana em níveis minimamente confortáveis, tanto para as empresas quanto para os cidadãos. O atraso em apresentar privatizações robustas também permite que o cenário só se deteriore — e afaste as verdinhas da nossa economia. O remédio para essa gripe, portanto, passa pelo governo — e, consequentemente, pelo Congresso Nacional. A aprovação da reforma administrativa permitiria que o governo tivesse dinheiro em caixa para investir e fazer a economia girar, enquanto a simplificação tributária é essencial para tirar o Estado do cangote das empresas e fazer o país atrativo — e conquistar cada vez mais o capital estrangeiro.
Quanto ao estresse dos maiores mercados ao redor do mundo, há pouco o que se fazer do Brasil — mas, internamente, sim. O brasileiro deseja voltar a sentir-se minimamente confortável com as cotações do dólar e, por isso, deveria pressionar o governo para que envie seus projetos de reformas e privatizações. Já o Congresso, com a boa vontade que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ainda parece ter pela agenda econômica, precisa acelerar a tramitação dos projetos. Por fim, o presidente Jair Bolsonaro deve, imediatamente, parar de bater cabeça com o Parlamento e de flertar com o autoritarismo. Nas últimas semanas, o clima entre os dois poderes esquentou com a comparação de funcionários públicos a parasitas, as mudanças em cargos de articulação política e a belicosidade de Bolsonaro durante os dias de folia. O envio de um vídeo por parte de Bolsonaro convocando a população para protestos contra o Congresso só tornaram mais difícil a relação por parte dos parlamentares com a agenda indócil engendrada por Guedes. No fim das contas, é a sociedade, que não tem nada a ver com a guerra de egos, que padece.
Somente a agenda econômica com vento em popa permitirá que o Brasil volte a ser um mercado interessante para os investidores externos — o que atrairia dólares para nossa economia e permitiria o respiro da moeda brasileira. De fato, hoje o Banco Central pouco pode fazer. “A redução de mais ou menos 0,25% da Selic pouco impacta o cenário hoje”, avalia o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo. A instituição agiu ao ver o que avaliou como uma pequena distorção no mercado, depois que Guedes se meteu onde não deveria para comentar o câmbio — e ainda foi extremamente preconceituoso com as empregadas domésticas. Os leilões na semana em que o ministro falou besteira ajudaram a segurar momentaneamente a alta da moeda americana. Mas tudo se acabou na quarta-feira. “A gente não esperava que tanta novidade acontecesse em tão pouco tempo”, diz Ernani Reis, da Capital Research.
Com a piora no cenário global por causa da epidemia de coronavírus, o Banco Central até tentou, de novo, segurar o voo do dólar com novos leilões de dólar para o mercado, mas de forma tímida. “Com o governo afirmando e reafirmando que não estava preocupado com a alta do dólar, a moeda foi subindo, sem que o Banco Central fizesse grande esforço para contê-la. Agora o dólar está testando os limites de atuação do Banco Central e a política do governo de menos intervenções no câmbio”, afirma Reis.
Os novos patamares para o câmbio? “Não vejo o dólar voltando a valer 4,15 reais, não. Se continuar a tendência de alta, é questão de tempo para que bata 5 reais”, diz Galhardo. Com o compromisso de avanço da agenda, porém, a moeda pode voltar a se estabilizar em 4,30 reais — a cotação dos sonhos de Guedes. Tomara.