Homem mais rico do mundo, com uma fortuna superior a 285 bilhões de dólares, o sul-africano naturalizado americano Elon Musk tem uma relação insólita com o Brasil. Algumas vezes, ele já declarou o apreço pelo país e revelou que, quando era mais jovem, visitou algumas cidades brasileiras. E foi em uma delas, em 2000, que teve a ideia de criar uma empresa de foguetes, que acabaria se tornando a bem-sucedida SpaceX. A epifania aconteceu em um restaurante simples à beira da Lagoa da Conceição, recanto aprazível de Florianópolis. Hoje, a companhia é um de seus dois principais negócios, ao lado da fabricante de carros elétricos Tesla, e, segundo estimativas, vale 100 bilhões de dólares (a empresa tem capital fechado). Duas décadas depois do momento inspirador em Santa Catarina, é justamente a SpaceX, por meio de sua divisão Starlink, voltada para satélites espaciais, que deve se transformar no primeiro negócio de Musk a aportar no Brasil.
A expectativa é que em janeiro de 2022 o megaempresário desembarque na Amazônia acompanhado da presidente da SpaceX, Gwynne Shotwell, a convite do governo brasileiro, mais especificamente do Ministério das Comunicações. O objetivo é dar início a um projeto-piloto utilizando a rede de satélites da Starlink, que já conta com mais de 1 600 unidades lançadas, para levar conexão rápida de internet a uma escola em uma área remota na floresta, um primeiro passo para conectar escolas públicas de regiões extremas brasileiras, algo que, segundo o ministro das Comunicações, Fábio Faria, pode acontecer até meados do ano que vem. “Pelo programa de implementação estabelecido pelo 5G, as operadoras de telecomunicações levarão meia década para conectar as escolas mais afastadas. Com a Starlink, podemos fazer isso já em 2022, chegando aos colégios do Nordeste e da Amazônia Legal”, contou Faria a VEJA. “Temos pelo menos 17 000 escolas para ser conectadas.”
As bases do acordo com Musk foram discutidas em uma reunião em Austin, no Texas, para onde o empresário está transferindo a sede da Tesla. O encontro serviu para firmar o Brasil no mapa estratégico daquele que é o mais audacioso e inovador empreendedor dos tempos atuais. Como traço comum, suas iniciativas procuram se encaixar nas atuais preocupações ambientais com o futuro do planeta. No encontro com Faria, esse aspecto acabou se revelando decisivo para atrair o interesse do empresário. Depois de apresentar o plano de conexão às escolas nas áreas mais remotas do Brasil, o ministro sugeriu a possibilidade de utilizar os satélites para contribuir com o monitoramento da Amazônia. “Com a Starlink, podemos descobrir focos de incêndio e de desmatamentos ilegais. Alguns satélites de Musk têm até a capacidade de captar o barulho da motosserra”, explica Faria. “Essa possibilidade fez com que os olhos de Musk brilhassem. Todo mundo fala da Amazônia, mas ninguém coloca dinheiro aqui. Esse pode ser o ponto de partida para que outros grandes empresários do mundo venham e invistam na preservação da floresta.”
Atualmente, o Brasil é atendido por satélites geoestacionários, que ficam “parados” sobre um ponto do planeta em uma órbita fixa a 36 000 quilômetros de altura. A Starlink atua com pequenos satélites não geoestacionários em baixa órbita, a 550 quilômetros de altura — como comparação, um avião supersônico voa a uma altitude de 18 quilômetros. Eles orbitam em velocidade mais rápida que a rotação da Terra e atuam de forma coordenada entre si, no que os especialistas chamam de constelação. O plano de Musk é investir 30 bilhões de dólares em sua rede própria e chegar a 48 000 satélites espalhados por todo o globo. Até aqui, a empresa firmou contratos com doze países para fornecer seus serviços.
Embora a operação envolva recursos astronômicos, o serviço é acessível (não chega a ser barato). Para captar o sinal de internet transmitido pelos satélites, bastam um kit de conexão vendido hoje por 500 dólares, que pode ser instalado por qualquer pessoa em apenas dez minutos, e uma assinatura do serviço, que, nos Estados Unidos, custa 100 dólares por mês. No entanto, a SpaceX pode ter concorrência, no caso a rival inglesa OneWeb, que já apresentou, em nome do governo britânico, o interesse em também participar do projeto de conexão das escolas. Tanto a companhia europeia quanto a Starlink já pediram licenças à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para operar seus satélites no Brasil. Segundo a Anatel, a Starlink recebeu, no início de agosto, licença para prestar serviços de telecomunicações no Brasil, uma outra liberação que era necessária para o inicio do projeto.
Além da Starlink, outros negócios de Musk têm potencial para desembarcar no país. Se a instalação de uma fábrica da Tesla no Brasil parece um sonho mais distante, há projetos com boas chances de avanço. É o caso do Hyperloop, uma atualização da ideia de transportar pessoas (e carga) por meio de cápsulas que se deslocam em alta velocidade dentro de tubos subterrâneos. Através de sua empresa The Boring Company, o empreendedor tem desenvolvido uma máquina para cavar esses túneis de forma mais barata do que a feita hoje com os metrôs, para que outras empresas criem os veículos de transportes, entre elas a HyperloopTT, que tem entre os seus fundadores um ex-rapper e apresentador da MTV italiana chamado Bibop Gresta. Recentemente, a HyperloopTT finalizou um estudo de viabilidade com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o governo do estado para instalar uma linha entre Porto Alegre e Caxias do Sul de 135 quilômetros, a ser percorridos em menos de vinte minutos, com velocidade máxima de 835 quilômetros por hora. Como boa parte das ideias que saem da cabeça de Musk, parece uma tremenda maluquice — isso até o momento em que elas viram realidade.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765