Em tempo de crise, cresce o número de brasileiros que investem no exterior
Segundo o Banco Central, nos nove primeiros meses do ano os aportes internacionais tiveram um aumento de 101% na comparação anual
Nos últimos meses, os investidores brasileiros foram bombardeados por uma série de sinais negativos. Queda do consumo, incertezas fiscais, alta dos juros, inflação, retomada mais fraca do que o esperado e diversos outros indicadores fizeram o Ibovespa, o principal índice da bolsa do país, figurar na indigesta lista dos piores desempenhos do mundo em 2021. Ele caiu 13% entre janeiro e outubro na comparação com o mesmo período de 2020 — ano marcado, ressalte-se, pela pandemia. Enquanto isso, o S&P 500, referência do mercado acionário dos Estados Unidos, subiu 24%. Números disparatados como esses desencadearam um fenômeno inédito no país: centenas de milhares de brasileiros começaram a pôr o suado dinheiro no exterior. Segundo o Banco Central, nos nove primeiros meses do ano os aportes internacionais somaram recordistas 18,5 bilhões de dólares, ou um aumento explosivo de 101% na comparação anual.
O cenário macroeconômico contribuiu, mas o surgimento de empresas que se dedicam a abrir as fronteiras internacionais e a próprio mudança de perfil dos investidores também são fatores determinantes para o fenômeno. “O que mudou de um ano para cá é que as opções de investimento ficaram mais amplas, simples e baratas”, diz Renato Breia, sócio-fundador da casa de análises Nord Research, que recomenda que seus clientes tenham ao menos 20% do patrimônio fora do Brasil. É uma forma, diz ele, não apenas de diversificar a carteira, mas de acessar mercados mais maduros e menos voláteis que o brasileiro.
A corretora Avenue Securities, fundada em 2018 e com sede em Miami, foi uma das precursoras do movimento. “Há alguns anos o mercado foi impactado pela chegada das fintechs e pela própria popularização da B3, a bolsa brasileira”, diz Roberto Lee, o CEO da empresa. “Agora, num processo natural, é a vez da internacionalização.” Ele diz que há 220 milhões de desbancarizados internacionais no país, e é esse público que pretende fisgar. Atualmente, a empresa conta com aproximadamente 400 000 clientes, ou o dobro de um ano atrás. São 7 bilhões de reais sob custódia. No fim de 2020, o número estava em torno de 1 bilhão de reais.
Como é inevitável, toda a indústria financeira começou a olhar para fora. A XP, corretora que atira em todas as direções, lançou recentemente fundos lastreados em ativos da China. Itaú e Bradesco seguiram o mesmo caminho. “É um mercado promissor, pois espera-se que a China alcance o maior PIB global até 2025”, diz Adilson Ferrarezi, head de soluções de investimento da Bradesco Asset Management. Se antes apenas ricos tinham acesso ao mercado estrangeiro, agora a situação é bem diferente. Alguns fundos internacionais do Bradesco têm aplicação inicial de 1 000 reais.
A festa do exterior traz uma questão: é mesmo hora de investir fora do país? Alguns analistas afirmam que, como as ações negociadas na B3 caíram muito nos últimos meses, elas estão agora baratas. Isso representaria, portanto, um bom ponto de entrada para novos investidores ou aqueles que pretendem reforçar seus aportes no Brasil. Nesse caso, valeria a lógica que norteia os grandes investidores: compre na baixa e venda na alta. Ainda assim, uma corrente de especialistas acredita que não se deve desprezar as bolsas mais pulsantes. “O mercado nacional estagnou e as pessoas querem novas alternativas”, diz Fernando Fenolio, economista-chefe da Wealth High Governance. Lee, da Avenue, é mais direto ao falar dos perigos da variação cambial. “O risco é ter muito real na sua vida”, diz. “O dólar oscila pouco, é importante ter mais moeda forte.” Seja como for, o investidor deve ter em mente outra regra de ouro: nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Equilíbrio é a palavra-chave no mundo dos investimentos.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766